DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A cara do SEU Natal - segunda parte

Salve, salve! Voltando a falar do sabor do Natal, lembrei-me do classicão arroz com champanhe e amêndoas, prato que muita gente hoje acha horroroso ou brega. Isso é pessoal. Se você não gosta, não torne sua festa horrorosa ou brega.
Já vi gente feliz da vida no Natal diante de um prato de cuscuz muito bem ornamentado com sardinhas, palmito e ovos, e aquela consistência fofa e úmida, como uma esponja. O segredo? Muito azeite - depois que a farinha cozinha mais do que o necessário, um bom azeite incorpado na massa quente e temperada deixará seu cuscuz mais macio.
E quem já comeu tomilho fresco? Essa erva de folhinhas minúsculas é capaz de deixar saladas, molhos e assados com cara de chef de cozinha. Mas tem que ser fresco. Recheie o interior de um chester com galhos de tomilho, cozinhe um caldo de carne e vinho com tomilho ou polvilhe tomilho numa salada de folhas e frutas. Não existe possibilidade de erro, coisa que desejamos intensamente nas datas festivas de final de ano. Então comece com tomilho, quem sabe não se torna a simpatia de sorte da vez.
Desejo aos leitores, blogueiros e amigos um Natal que caia como uma luva. Que seja o seu número, a sua cor e a sua cara. Desejo um ano de felicidade gratuita, sem nenhum percalço e amém.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A cara do SEU Natal

O negócio é o seguinte: todo mundo quer fazer algo diferente no Natal. Ora, o sabor e o cheiro do seu Natal não é senão a mistura dos pratos trazidos pela família, os de sempre? Salpicão de frango da tia, tender com ameixas da vovó, farofa de passas da cunhada, peru temperado da Sadia... Se a gente muda tudo isso, como é que fica? Já imaginou se os parentes resolvem buscar receitas exóticas de última hora e na mesa natalina tiver molho Teriyaki, pudim de curry, strogonoff de cabrito ou farofa de quinua? Melhor não querer inventar. Cheiro de Natal é sagrado. Algumas dicas eu dou, mas nada pode ser muito diferente:
- Insisto em sugerir, como no Natal passado, triturar com as mãos castanhas portuguesas já cozidas, apenas misturadas com salsinha batida, nada mais. Essa farofinha simplória, artesanal e grandiosa pode acompanhar qualquer carne assada.
- O lombo de porco pode ser temperado como de costume e receber uma camada de geléia de damasco, 20 minutos antes de tirar do forno.
- O peru fica delicioso quando recebe banhos e banhos de suco de laranja enquanto doura lentamente.
- Uma salada de frutas natalinas cai bem: figos, ameixas vermelhas, uvas e cerejinhas, muitas lichias, regadas com um pouco de vinho espumante e hortelã.
No próximo post tem mais!

domingo, 13 de dezembro de 2009

O bife

A mulher queria bife. E quando é que ele teria tempo? Nem a aposentadoria garantiu-lhe sossego. Nem a viagem do filho ou a morte do cão. Ele queria tempo para sua poesia. Mas não era só um bife, tinha de ser à milanesa, empanado em clara de ovo e farinha de rosca. Há dois verões a mulher adoecida lhe tomava o tempo e um único sonho: escrever poesia. O bife, era preciso prepará-lo em etapas. E não havia farinha de rosca, mas algum pão amanhecido. Ele sabia que tinha talento. Precisava de inspiração, interrompida a cada hora. O que mais lhe ocuparia o tempo depois de preparar o bife? Talvez a limpeza da varanda ou o preparo de algum chá. A grandeza da insatisfação e da raiva que o dominavam era proporcional à mansidão, ao silêncio submisso e sem voz que não estava mais disposto a engolir. Culpa versus dever. Encarou a lâmina da faca, tão desafiadora naquele instante, mas lembrou-se que a carne viera cortada. Calado, descobria a cada momento um eu desconhecido. Tudo estava sob seu domínio, guiado pelas meticulosas ordens da mulher. Poderoso panaca. Apavorava-se e em seguida sorria nervoso. Antes, acreditava numa poesia construída a partir do amor, o mesmo que agora lhe cutucava com sarcasmo. Ralou o pão até os dedos, colocou pesado a panela no fogão, derramou com displicência o óleo, quebrou os ovos como se estilhaça vidro, separou a clara, afogou enforcada a carne na gosma até o fundo do prato, escorreu e jogou farinha, como terra seca. Esqueceu-se do sal. Até quando duraria aquela noite, que começou numa tarde qualquer e não tinha dia para acabar? Esperou o óleo ferver. Imaginou o estrago na pele. Pensou uma poesia densa, mas era inconcebível. Aquilo não combinava com poesia. A sua poesia nasceria no escritório ensolarado, com o cheiro de um bife sendo frito para ele. Soltou na gordura quente, com um gesto suave de carinho involuntário, a carne empanada de tempo perdido. (Desejava do futuro algum benefício antecipado: um funeral libertador). Mas tinha de esperar a carne sofrer – ao ponto para mais!, assim foi exigido.
Depois de meses, a mulher faleceu. Lançou seu primeiro livro de cozinha com suspense: nunca revelava os segredos das receitas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Blog bem recomendado!

Culinaria Receitas

Culinaria-Receitas

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Imperdível

O Baba Ghannuge (pasta de berinjela), uma das principais entradas da cozinha libanesa, não pode faltar em nossa mesa como petisco em dia de visitas.
Porção para 6 pessoas:

2 berinjelas grandes - de casas escuras e lisas, pois os pontinhos amarelos sugerem a entrada de bichinhos brancos
½ copo de Thaine (creme de gergelim)
½ copo de suco de limão
2 colheres (café) de alho amassado
Azeite de oliva extra-virgem
Sal a gosto

Modo de fazer:

1 – Lavar as berinjelas, furar a casca com uma faca para não abrirem no forno
2 – Colocar as berinjelas numa assadeira e levar ao forno até que fiquem murchas e macias
3 – Abrir a casca e retirar toda a polpa com o auxílio de uma colher
4 – Bater a polpa no liquidificador com o Thaine, o alho, o suco de limão e o sal
5 – Acrescentar azeite sobre a superfície e servir com pães árabes




domingo, 29 de novembro de 2009

Corra Lola, corra!

Quem ainda não assistiu Julie & Julia em cartaz nos cinemas? Então corra!

Por aí

Sim, sim, esse blog está meio abandonado, admito. Os dias podem ser eternos, monótonos ou cheios de compromissos, mas o tempo passa rapidamente, de uma forma ou de outra. Tenho ganhado muitas coisas: abóboras aguadas - não sei que raio de espécie fajuta é essa que a vizinhança insiste em colher no meio de terrenos selvagens-, vidros de homus feito em casa, pão de mandioca e mimos do Nordeste - a amiga Marília trouxe do Recife uma farinha de mandioca amarelinha e leve, trouxe também bolo de rolo que me serviu em sua casa.
Qual é a invenção original? O rocambole mineiro ou o bolo de rolo pernambucano? O primeiro parece ser a versão do segundo, só que mais espaçado. Não que ele seja menos gostoso.
A gente ganha o dia quando coisas diferentes não nos desapontam: achei num açougue um linguição recheado com provolone, embrulhado em papel celofane para assar no forno. Depois de douradinho, fatiei e servi com purê de mandioca bem molinho, surrado no batedor de arame. A linguiça ganhou nota 10.
E a coisa mais surpreendente dos últimos tempos foi a coalhada seca da Samia, proprietária do restaurante Al Sultan. Não me recordo de ter provado cremosidade igual.

Mais uma

Histórias continuam indo e vindo. Gabi, uma gaúcha que cresceu no meio de alemães de bochechas coradas contou que a mãe estava num vilarejo dos Pampas e serviam filé grelhado no local, daqueles altos, gigantescos e suculentos. O garçom apoiava o prato com a palma da mão e o polegar segurava o bife do lado de cima. Imediatamente a mulher retrucou:
- Mas você está com o dedão na minha carne!
E o garçom, com aquele sotaque inclinado e nervoso dos gaúchos justificou:
- Então, tu queres que ele caia de novo?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Bracarense, Estadão e City Bar

O que é que esses botecos tem em comum? O último, apesar de não ser tão conhecido além das terras que limitam a cidade de Campinas, representa tantos outros que existem por aí com os moldes dos primeiros. Quem não gosta de afrouxar a gravata, no caso dos paulistanos, e entrar num ambiente informal e semi-aberto, usando sandálias de dedos, como é o caso dos cariocas? Um chão sujo de guardanapos amassados que voam o tempo todo, mesinhas e cadeiras amontoadas, dificultando a passagem dos garçons que carregam uma bandeja de tudo, um balcão que por trás da vitrine exibe pernil assado, croquetes de carne, empadas, coxinhas e bolinhos de bacalhau - sempre os melhores do mundo - cerveja e chopp que descem congelando a garganta e uma infinidade de sanduíches nos cardápios grudentos, de tantas mãos que por ali passam. E barulho, muito barulho. A quantidade de funcionários que aos berros vão se entendendo dentro e fora dos balcões parece se igualar com a dos clientes, sempre aguardando na mesa a chegada de um novo pedido. É descontração pura que, quando estamos no pique, faz as segundas terem cara de sexta, porque num ambiente assim você nunca lembra que existem segundas-feiras.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

As coxas gordas na intimidade

Você que é vegetariano e tem alguma tendência a problemas cardíacos, evite o texto. Ele contém descrições de cenas muito chocantes.
Comer frango, justo aquelas partes com osso, é tão íntimo quanto ir ao banheiro. Quem degusta uma grande coxa ensopada num restaurante muito arrumadinho (pode ser um pato ou uma codorna, inclusive), faz uso de garfo, faca, destreza, paciência e muita formalidade, sem dúvida nenhuma.
Se o ambiente for uma churrascaria mais descontraída, arrisca segurar a extremidade do osso para abocanhar as partes molinhas e úmidas que se soltam do osso com facilidade. E o devolve no prato parecendo um grande cotonete - pelo menos as crianças fazem isso em público, sem culpa, e quem não faz, fica com vontade - porque roer as cartilagens das pontas nem pensar!
Devorar um frango à passarinho num boteco também não é o momento mais íntimo e revelador de um apreciador das partes tostadas da ave? Lambuzam os dedos sem medo algum, pois outros clientes fazem o mesmo no balcão.
Mas dentro de casa é o lugar e o momento dos fãs do tutano cozidinho que se regozijam em glória: quebram e sugam todos os ossos sem perdão nem dó, e fortalecem secretamente os dentes, prontos e afiados para uma próxima vez.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Kreativ Blogger Award


Ganhei gentilmente das meninas do INTEIRATIVA uma indicação para receber o Kreativ Blogger Award, que é um reconhecimento da blogosfera ao trabalho uns dos outros. Para ter o selo no blog, há uma lista de 7 itens a serem cumpridos. São eles: 1. agradecer a pessoa que te indicou; 2. copiar o logo e colocar no seu blog; 3. linkar a pessoa que te indicou para o prêmio; 4. listar 7 coisas sobre você (que possam achar interessante); 5. indicar outros 7 blogs para o Kreativ Bloggers; 6. postar links dos 7 blogs indicados; 7. deixar um comentário em cada blog para que saibam que você os indicou.

Meus blogs indicados são todos de culinária, pois resolvi homenagear a todas aquelas que queimam as mãos pela simples paixão de cozinhar:

Sobre mim:
1 – Preciso dizer que gosto de cozinhar?
2 – Venci uma depressão braba que durou anos, daí o nascimento do blog. Escrever, para mim, também é terapia.
3 – Adoro animais e bichos de estimação, mas não gosto de passarinhos engaiolados.
4 – Sou dessas que acha que o melhor lugar do mundo é a casa da gente.
5 – Detesto acordar cedo (mas fazer o quê?)
6 – Minha sobrinha disse que nunca me viu brava. Sei não...
7 - Não troco meus quarenta anos por nada.

sábado, 10 de outubro de 2009

A gente vê cada uma...

Vivo repetindo que deve ser tão fácil virar monge, ficar recolhido no topo de uma montanha e conseguir manter o equilíbrio estabilizado, sem ter que conviver com chefe, cunhado, filhos, que até eu atingiria a iluminação divina rapidamente.
Mas saindo do meu eu interior e voltando para o interior da cozinha, lembrei-me da história de um cliente mau-humorado que aparecia toda semana no restaurante onde trabalhava. Ele sempre reclamava com os garçons sobre tudo: comida, serviço, vinho, barulho e sabe lá Deus o que mais. Mas era um cliente super fiel. E tirava todo mundo do sério. O que é que poderíamos fazer?
Um dia, um garçom novato entrou na cozinha perguntando se era possível preparar um espaguete ao pesto, prato que não fazia parte do cardápio. Eu já sabia que o pedido era do tal cliente, que em quinze minutos estava sendo servido. Depois de um tempinho, chamei o garçom e disse:
- O negócio é o seguinte. Você vai chegar até a mesa e perguntar se ele gostou do espaguete. A resposta será NÃO! Mas não se assuste, porque ele nunca gosta de nada mesmo.
O garçom me olhava com cara de espanto. Prossegui:
- Pergunte em seguida, com muita delicadeza, se ele aceitaria uma outra sugestão. Ele recusará, pedirá um café e logo depois, a conta.
E assim aconteceu, conforme tudo foi dito, até que o cliente partiu e a tensão do ambiente se desfez.
O garçom retornou à cozinha, todo nervosinho e reclamão, querendo saber por que é que aquele homem frequentava o restaurante se lugar se não lhe agradava, como ele mesmo testemunhou. Romildo, cozinheiro de pavio curto, gritou lá do fundo, com a jugular saltando no pescoço e a faca na mão:
- Esse homem é a pedra no sapato de qualquer funcionário! É o demo de paletó engomado; aquele próprio que pedimos a Deus: “não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos de todo o mal...” Mas não. O homem vem aqui e nos tenta toda semana. Só que nós já aprendemos a ficar mansinhos com ele. Agora é tua vez, seu cabra!”

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Super Benvinda

Benvinda, que trabalha em casa, é neta de índio, cabocla forte. Entende de plantação e ervas medicinais como ninguém:
- Pro rim? Que quebra-pedra, que nada! Um bom chá de folhas de pata-de-vaca ou de raiz de feijão andu resolve tudo.
Outro dia me passou uma receita que não faltava no sítio, quando morava com a família no Paraná:
- Refoga a costelinha de porco naquele temperinho básico de azeite, cebola, alho, um tomatinho, uma folha de louro e sal. Quando tiver tudo douradinho, coloca uma tigela de canjica vermelha, "ponhada" de molho no dia anterior, com água e tudo. Deixa cozinhar bem. Depois que destampa a panela o cheiro chega longe...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Qual é o gosto do sabor?

No filme Cidade dos Anjos, o anjo apaixonado observa sua amada degustar uma pêra e pergunta a ela qual o gosto da fruta. Como definir um sabor? Fazer comparações parece ser um tanto limitado – e um grande desafio para quem escreve também: doce, ácido/azedo, salgado, amargo. E a consistência? Crocante, mole/macia/gelatinosa/cremosa, dura, pegajosa.
Sábado estive no Mercado Municipal de São Paulo e deliciei-me por lá, como sempre. Mangostim, pitaia, granadilha, frutas incomuns no nosso cotidiano – pelo menos por enquanto – e, apesar de serem adocicadas como todas, são tão, tão diferentes umas das outras. Como acreditar que Deus privou os anjos de conhecer as delícias desta Terra?
A granadilha é uma fruta colombiana, um maracujá menor, sem acidez nenhuma e bastante doce. Essa foi fácil.
Servi-me também de ostras gigantes, geladíssimas com limão taiti, da banca de frutos do mar, tudo fresquinho. Era só fechar os olhos que você ouvia o barulho das ondas e o cheiro do vento salgado no ar, mesmo com aquele bando de gente se espremendo no balcão. Ondas, vento salgado... muito clichê? Vou tentar de novo. O molusco traduziu, no momento em que ingeri, a sensação da força e dos mistérios das marés e me remeteu através do paladar, àquela atmosfera quente, úmida e salgada que só os ventos litorâneos são capazes de carregar e nos entorpecer por completo.
Na banca de carnes exóticas do corredor ao lado, encontrei pacotes de quilo de línguas congeladas de pato. Duas coisas nos deixam curiosos diante dessas esquisitices: consistência e sabor. A terceira, como conseqüência, é o modo de preparo. Perguntei à vendedora se havia algum segredo:
- Olha, trabalho aqui a vida inteira, mas a chinesada não entrega o ouro.
E agora como o anjo queremos saber que gosto tem língua de pato. Ou não?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Baudelaire, Savarin e o vinho

Em seu ensaio "Do Vinho e do Haxixe", Baudelaire ironiza:

Um homem muito célebre, que era ao mesmo tempo um grande tolo – coisas que andam muito bem juntas, ao que parece, como mais de uma vez terei, sem dúvida, o doloroso prazer de demonstrar – ousou, num livro sobre os prazeres da Mesa, composto do duplo ponto de vista da higiene e da satisfação, escrever o que se segue no artigo VINHO: "O patriarca Noé passa por ser o inventor do vinho; é um licor que se faz com o fruto da vinha."
E que mais? Mais nada: é tudo. Por mais que folheeis o volume, que o vireis em todos os sentidos, que o tenteis ler de trás pra adiante, de costas, da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, nada mais encontrareis sobre o vinho na Fisiologia do Gosto do ilustríssimo e respeitadíssimo Brillat-Savarin senão que: "O Patriarca Noé..." e "é um licor..."
Suponho um habitante da Lua ou de qualquer planeta afastado, que, viajando pelo nosso mundo e cansado das suas longas jornadas, pense em refrescar o palato e aquecer o estômago. Quer pôr-se ao corrente dos prazeres e dos costumes da nossa terra. Ouviu vagamente falar de licores deliciosos com os quais os cidadãos desta esfera conseguiram, à sua vontade, coragem e alegria. Para estar mais certo da escolha, o habitante da Lua abre o oráculo do gosto, o célebre e infalível Brillat-Savarin, e ali encontra, no artigo VINHO, esta informação preciosa: O Patriarca Noé... e esse licor se faz... Absolutamente digestivo. Muito explicativo. É impossível, depois de ter lido esta frase, não ter uma idéia justa e clara de todos os vinhos das suas diferentes qualidades, dos seus inconvenientes, da força que exerce sobre o estômago e o cérebro.
Ah! caros amigos, não leiais Brillat-Savarin. Deus preserve de leituras inúteis àqueles a quem ama, é a primeira máxima de um livrinho de Lavater, um filósofo que amou os homens mais do que todos os magistrados do mundo antigo e moderno. Nenhum bolo foi batizado com o nome de Lavater; mas a memória deste home angélico viverá ainda entre os cristãos, quando até os bons burgueses já tiverem esquecido o Brillat-Savarin, espécie de brioche insípido cujo menor defeito é servir de pretexto a uma tagarelice de máximas totalmente pedantes, tiradas da famosa obra-prima.

Após o desabafo e a lavada de Baudelaire, veio o desafio. E existe algo mais para escrever sobre o vinho, depois do texto abaixo? Incansável, o poeta prossegue:

Parece-me por vezes que ouço dizer o vinho: - Ele fala com sua alma, com essa voz dos espíritos que só pelos espíritos é ouvida. – "Homem, meu bem-amado, quero lançar para ti, apesar da minha prisão de vidro e dos meus ferrolhos de cortiça, um canto cheio de alegria e de esperança. Não sou ingrato; sei que te devo a vida. Sei o que te custou de trabalho e de sol nas costas. Tu deste-me a vida, eu te recompensarei. Pagar-te-ei largamente a minha dívida; porque eu sinto uma alegria extraordinária quando caio no fundo de uma garganta sedenta pelo trabalho. O peito de um bom homem é uma morada que me agrada muito mais do que estas caves melancólicas e insensíveis. É um alegre túmulo onde cumpro o meu destino com entusiasmo. Faço no estômago do trabalhador um grande reboliço, e dali, por escadas invisíveis, subo-lhe ao cérebro onde executo a minha dança suprema."
"Ouves tu agitarem-se em mim as poderosas canções dos tempos antigos, os cantos do amor e da glória? Sou a alma da pátria, meio galante, meio militar. Sou a esperança dos domingos. O trabalho faz os dias prósperos, o vinho faz os domingos felizes. Com os cotovelos assentes na mesa de família e as mangas arregaçadas, tu me glorificarás altivamente e estarás verdadeiramente contente."
"Iluminarei os olhos da tua velha mulher, a velha companheira dos teus desgostos quotidianos e das tuas mais velhas esperanças. Enternecerei o seu olhar e porei no fundo das suas pupilas o fogo da juventude. E ao teu filho, palidozinho, esse pobre burrico atrelado à mesma fadiga que o cavalo da charrua, dar-lhe-ei de volta as belas cores de seu berço, e serei para esse novo atleta da vida o óleo que reforça os músculos dos antigos lutadores."
"Cairei no fundo do teu peito como uma ambrosia vegetal. Serei o grão que fertiliza o sulco dolorosamente lavrado. A nossa íntima reunião criará a poesia. Nós dois faremos um Deus, e voaremos para o infinito, como os pássaros, as borboletas, os fios da Virgem, os perfumes e todas as coisas aladas."

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pasteis de feira

Até quem tem sangue azul aprecia um pastel de barraquinha. Talvez os de sangue azul cintilante nunca tenham pisado numa feira. Não sabem o que perdem. O cheiro quente dos pastéis nos agarra pelo pescoço como cabo de guarda-chuva sem piedade nem dó e o pior é que são irreproduzíveis em casa. Não tem o mesmo gosto, nem a mesma crocância, nem nada. E aquele vinagretinho caseiro que acompanha? Aí mesmo que eu queria chegar. Na verdade não existe coisa mais anti-higiênica. E não tenho razão? Todo mundo enfia a colher dentro do seu pastel mordido e depois coloca no vinagrete de volta. O freguês do lado faz a mesma coisa. Fazer o quê? Vista grossa ou pastel sem emoção.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Doces momentos

E o que dizer de dois aniversários em família durante o feriado nacional? Começou na sexta. No jantar, filé de San Peter assado na folha de alho-poró e tomilho pra soltar um cheiro, seguido de sopa de palmito com cubinhos de mussarela e queijo parmesão ralado.
No sábado à noite, patê de ervas frescas (cheiro verde, alecrim, manjericão e sálvia), pão italiano, batatinhas cozidas com casca, temperadas com muita páprica picante, azeite, um pouco de balsâmico e açúcar mascavo e por fim um creme quente de três abóboras (moranga, cabochan e paulista) com pedaços de gorgonzola para quebrar o friozinho que veio com a chuva.
No domingo o almoço foi à base de berinjela fria curtida no vinagrete, frango aberto braseado, arroz com alho queimadinho e farofa amarela úmida, daquelas bem acompanhadas de bacon, ovos, coentro e tudo mais que tinha de direito.
E na segunda, quando o sol decidiu aparecer caloroso como sempre, o sabor de comida da vovó permaneceu: feijão branco ensopado com linguiças defumadas e lombo de porco salgado, acompanhados pelo fiel e incansável arroz branco soltinho de tudo.
Eu queria crer que a vida é como cozinha: simples de tudo. Basta saber salgar.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Bichos, bichinhos e bichões

Oi, oi, estou de volta depois de um curto período de adaptações. E a sensação de alívio com tanta tralha jogada fora, coisa que acontece quando as portas dos armários não fecham mais ou quando você muda de casa.
Meu novo lar fica num condomínio de mini chácaras, no meio da natureza, com ruas de terra, a 20 minutos do centro da cidade – essa é a vantagem de morar no interior.
Agora tenho limão-vinagre diretamente do pé, acerola, jabuticaba e seriguela, se é que a árvore um pouco sofrida e muito podada arrumar forças para dar os frutos em sua época. Tem rede na varanda e no lugar de muros altos e fechados, alambrados com cercas vivas separando um terreno do outro.
E não é nada difícil se acostumar aos novos barulhos daqui: galinhas d'angola, grilos, corujas, sapos, espécies diferentes de pássaros que soltam alguns pios inclusive a noite e outros sons inimagináveis. Uma certa madrugada acordei com um barulho forte de pancada abafada na terra seca e os cães que latiam loucamente me fizeram levantar. Olhei pela janela da frente e vi um cavalo marrom andando meio cabisbaixo e pensativo, sem dar a mínima para quem o estranhava, no caso eu e meus cachorros.
Depois percebi que esse trânsito de animais soltos é comum por aqui, pois um boi branco, daqueles de cupim bem alto, passou despreocupado em pleno fim de tarde, vindo não sei de que lugar e indo sabe-se Deus para onde. São treinados? Trabalham por conta? Fugiram de algum sítio ou apenas vivem a vida como bem entendem?
Tenho que me familiarizar com esse mundo totalmente oposto do universo urbano para não me sentir uma caipira.
A natureza impõe um respeito tão grande que você sente dó de jogar Rodiasol em pernilongo. Espero ter muitas histórias boas para contar.

sábado, 22 de agosto de 2009

O polvo e o caminhão de mudanças


Comprei um polvo no susto. Estava lindo e fresco. Um quilo e novecentas gramas de tentáculos com aquela cabeça imensa de alien. Duas possibilidades de prepará-lo: ou hoje na casa da Carô, que nos convidou para um fim de tarde, ou ontem, como petisco de saideira daqui de casa, numa festinha de despedida que não rolou de tanta preguiça.
Eu explico: Eu e Tati estamos de mudança. De quase meio-de-mato para definitivamente-meio-do-mato. Na sexta que vem, a esta hora, estaremos debaixo de outro teto.
E o polvo vai parar nas panelas da Carô. Hoje mesmo. Hoje mesminho. E sem segredos: nada de ficar batendo no coitado. Deixe-o cozinhar por nove minutos na panela de pressão com água, cebola e alho. Depois é só inventar uma salada portuguesa com batatas ou uma caldeirada de frutos do mar, um arroz de forno, um risotto italiano, carpaccio, canapé, tapas, guisadinho, sopa e por aí vai. Tudo de polvo!
Bem, eu preciso de uns quinze dias. Sete e meio para encaixotar e sete e meio para desencaixotar tudo e também resolver as questões da internet - porque na casa nova do mato, fiquei sabendo que a conexão será através de rádio (!).
Então pelas minhas contas, no dia 4 de setembro estarei de volta, querido leitor! Só em setembro. Até lá!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O paraíso

O moribundo em seu leito lamentava a vida equivocada que tecera durante os anos de sua existência. Ainda lhe restava um fiozinho de fôlego, que poderia durar um piscar lento de olhos, ou quem sabe, o tempo de assar um boi no rolete. Precisava achar uma solução para os erros, a burrice, a imaturidade e a incompetência que rotularam sua história. Mesmo sendo de bom coração, não se contentava por não ter conseguido sequer construir uma pilha de dois tijolos. Sentia-se um ninguém, uma mancha de óleo de batatas fritas num córrego límpido. Por alguns momentos tentava aceitar o papel de desgraçado que lhe fora designado, como acontece no universo teatral, mas nem convencido era de que o havia interpretado com louvores. O perfeito desgraçado. Um desgraçado bem sucedido. Nem isso. Desanimado, voltava à estaca zero e virava-se de lado, mas o corpo não o obedecia. Ah, se pudesse voltar e desculpar-se com quem encontrasse pela frente. Se pudesse, tentaria outros caminhos, alinharia os passos ou se esconderia num canto escuro para nunca mais atrapalhar o mundo.
Se pudesse voltar de verdade, acabaria com a vida no exato momento do parto - aproveitaria a oportunidade de um cordão umbilical e o enrolaria todinho em seu pescoço, muito bem apertadinho. Então pronto. Achada a solução, decidiu que finalmente podia morrer. E respirou aliviado. O paraíso era agora uma viagem ao passado para tornar-se novamente um embrião. Só precisava de um último sanduíche de mortadela

sábado, 15 de agosto de 2009

Gripe suína - como evitar

Por Dr. Marcio Bontempo, Médico Sanitarista
Press release: O médico Marcio Bontempo (CRM-DF 15458), especialista em Saúde Pública e naturopata, alerta como as pessoas adquirem a gripe suína (Influenza A - H1N1) e mostra como preveni-la através da alimentação, de produtos naturais e biológicos e dá outras dicas, além dos procedimentos de praxe.
Além das recomendações das autoridades sanitárias, como lavar as mãos com frequência, etc, existem providências que devem ser lembradas, ou conhecidas que, infelizmente, não fazem parte dos cuidados necessários, sendo que, muitos deles, são mais importantes do que as orientações oficiais. Primeiramente, tanto profissionais de saúde quanto pessoas comuns, devem saber que é necessário atuar no sentido de se possuir um sistema imunológico bem forte. Percebo que absolutamente nada está se fazendo nessa direção, de uma forma que se espalha o terror de uma nova doença, mas não se tomam as providências necessárias para reforçar o mecanismo de defesa do organismo da população, permitindo assim que todos estejam expostos à virose em questão. Por que as pessoas adquirem mesmo a gripe comum e o que fazer para fortalecer as defesas?
Para começar, é necessário saber O QUE ENFRAQUECE o nosso sistema imunológico, e isso não é divulgado (ou sabido?) pelas autoridades sanitárias. Sabe-se, cientificamente, que todos os vírus se beneficiam e se desenvolvem mais facilmente em ambientes orgânicos mais ácidos e, obviamente, quando o sistema imunológico está enfraquecido. E o que faz com que nosso ambiente sanguíneo fique mais ácido e o que diminui a força das nossas defesas? São os alimentos industrializados que tendem a criar e a manter um ambiente sanguíneo mais ácido.
Recomenda-se, portanto, evitar estes alimentos substituindo-os, sendo que esta abstenção já significa um grande passo para a prevenção de qualquer gripe e de muitas doenças.
Há alimentos particularmente úteis para reforçar a nossa imunidade, tais como o arroz integral, os subprodutos da soja (tofu, leite de soja líquido, misso), a aveia (rica em beta-glucana, um grande estimulador do mecanismo de defesa), o inhame, as verduras em geral, frutas frescas, a semente de linhaça, o gengibre, o alho, a cebola e outros.
Além das medidas anteriores, cientificamente sugere-se o seguinte:
O alho é rico em alicina, uma substância ativa que possui ação antiviral reconhecida, além de mais de uma dezena de outros componentes imunoestimulantes. Basta ingerir diariamente 3 a 5 dentes de alho cru picado, com os alimentos ou engolidos com água ou suco. Há o inconveniente do hálito, mas é passageiro, e mais vale a boa saúde do que o comentário alheio. Existem também suplementos à base de alho que não exalam odor, mas são caros. O óleo de alho em cápsula ou o alho em comprimidos não produzem o mesmo efeito do alho cru. O alho também é útil para evitar ou tratar uma grande quantidade de doenças. O problema do alho para crianças é a dificuldade para ingerir, mas com habilidade tudo é possível.
A própolis é reconhecida cientificamente como um antibiótico natural incluindo uma forte ação antiviral, tanto em situações de infecção quanto como para prevenção. Foram reconhecidos mais de 100 principios medicinais ativos da própolis. Deve-se usar o extrato alcoólico de própolis a 30%, na quantidade de 30 gotas, 3 a 4 vezes ao dia, em meio copo de água. Para crianças pequenas, metade da dose (lactentes e bebês, seguir orientação do pediatra). Pode-se colocar um pouco de mel para adoçar e reduzir o sabor e efeito da própolis na boca.
O gengibre é um alimento funcional reconhecido hoje cientificamente por seus poderosos princípios ativos. Foram isolados cerca de 25 substâncias, entre elas as famosas gengiberáceas, de grande ação estimulante do sistema de defesa do organismo e ação antiviral. Basta beber chá de gengibre fresco, forte, uma xícara 3 vezes ao dia, morno ou quente e sem adoçar.
O organismo e as células de defesa são regidos pela ação do sistema nervoso autônomo, representado pelos sistemas simpático e parassimpático: o primeiro é responsável pela produção granulócitos (de pouca ação viral e mais bactericida) e o segundo de linfócitos (de ação antiviral direta). Devido à agitação da vida moderna e ao estresse, as pessoas apresentam um excesso de atividade do sistema simpático (que produz adrenalina, cortisol, etc.., todos imunodepressores), com maior quantidade de granulócitos do que linfócitos, o que abre o caminho para viroses. É devido a isso que muitas pessoas adquirem uma gripe depois de um impacto emocional, notícia ruim, desavenças, tristezas, etc. É necessário proceder à redução da atividade simpática (redução do estresse,etc.) e promover maior estímulo parassimpático. Isso se consegue com mais repouso, menos agitação e preocupações, atividade física moderada, respiração profunda, alimentação natural integral, massagens terapêuticas, saunas, banhos quentes (tipo ofurô, banheiras, etc).
Importante é evitar a friagem e manter o corpo aquecido, principalmente as extremidades. A medicina ortomolecular e a fototerapia preconizam o uso de dois suplementos: a homeopatia, diferentemente da medicina farmacológica, atua estimulando a capacidade orgânica. Há uma fórmula homeopática para a preveção, tando da Influenza A (H1N1), quanto de qualquer outro tipo de gripe. Estes remédios podem ser adquiridos nas boas farmácias homeopáticas, e não fazem mal algum ou produzem efeitos colaterais. Se necessário, procurar um médico homeopata para a confecção de uma receita. Sempre importante em qualquer aspecto para uma saúde melhor.
Durante a gripe espanhola no começo do século passado, milhões de pessoas morreram, mas aqueles que lidavam com os doentes raramente contraiam o vírus. É que havia uma orientação para que o pessoal de serviço, médicos, enfermeiros, etc, usassem um saquinho de gaze com pedras de cânfora pendurados no pescoço. As emanações voláteis da cânfora esterilizam o ar em sua volte e protegem as mucosas. Então, aconselha-se a fazer o mesmo. Basta adquirir a cânfora na farmácia comum (algumas pedrinhas bastam), confeccionar uma bolsinha de gaze e pendurar no pescoço, podendo inclusive manter por dentro do vestiário, sem necessidade de deixar à mostra (se bem que o ideal é manter do lado de fora). Deve ser usado constantemente durante o contato com as pessoas. É uma boa dica para quem lida com pessoas ou trabalha em ambiente de aglomeração.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Combinações estranhas

Falando assim de repente de algumas combinações entre dois ingredientes, muita gente se assusta. Até experimentar.
Uma amiga me serviu rabanete com manteiga, bem apreciado na França, coisa que eu jamais teria tido a idéia de combinar. Estranho, mas bom.
Um casamento não mais estranho do que feijão de coco, este de origem pernambucana, que é um purê de feijão cozido e batido no liquidificador com temperos e um pouco de leite de coco. E o mais bizarro para nós, incultos de paladar com tanta coisa existente nesse mundão de Deus, é que é servido com peixe.
Na infância, via sempre minha irmã se deliciar com banana e catupiry. Até que um dia me toquei de que só poderia matar a curiosidade se abrisse a boca para experimentar. Bom também.
Um ótimo exercício para treinar o paladar é tentar imaginar o sabor das combinações com antecedência e depois prová-las para saber o quanto você é bom ou não. E com o tempo você vai ficando craque, ou, na primeira, percebe que tem o dom.
Sempre faço um desafio com os alunos, perguntando se conseguem imaginar o sabor de um pedaço de queijo parmesão. Após alguns segundos de olhos fechados, a maioria consegue. Depois peço para se lembrarem do sabor da ameixa preta. Ok. Até que vem o terceiro pedido: o de imaginar a mistura das duas coisas. Por fim, todos provam parmesão com ameixa preta, uma dupla que forma um bom petisquinho na ponta do palito.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Depois não diga que não avisei

O ano é de 2.058. Dinda procura por algo na cozinha, na velha cozinha septuagenária, mas não se lembra direito o que é. Vasculha daqui, remexe dali, coça o queixo e, ah sim, é o recipiente azul que está procurando. Nele estão guardadas as porções de chá de vitaminas complementares que o especialista em ossos lhe indicou. Caminha vagarosamente até o recipiente azul, mas abre com dificuldade, pois suas mãos agora trêmulas esqueceram-se das habilidades. Coloca uma porção no cilindro de fibra ótica reciclada e enche de líquido bioingerível aquecido. Depois, liga o reciclador de oxigênio pós-inalado. Agora Dinda não cozinha mais, mas auxilia sempre que pode a nova mescladora de substâncias alimentares:
- No meu tempo era cozinheira que chamavam...
A moça era nova, começou sem muita experiência, mas fazia bem as combinações diárias do complexo auto-sustentável, o que antes chamávamos de ingredientes.
Dinda senta-se na cadeira, com certa dificuldade pelos joelhos endurecidos, enquanto a moça mistura a pasta de batatas sintética com um pouco de gordura monocalórica em pó. Corta a embalagem de tomates desidratados e os mete de molho em uma solução de vinagre de vinho transclonado. Por fim, despeja uma medida de favas-agulhinhas - uma espécie híbrida de arroz com feijão - no processador de inchaço de grãos e cereais.
Dinda olhava com saudosismo para suas antigas panelas, que ajeitadas decoravam alguns cantos da cozinha, quando ouviu na teleplasma de nanochip as notícias do dia:
- A segunda edição do Jantar do Século aconteceu ontem, após 50 anos de sua idealização. Os filhos dos chefs que participaram do primeiro jantar executaram o cardápio para 80 pessoas, como aconteceu no evento histórico de 2008. Politicamente corretos, fizeram um banquete beneficente e reverteram a venda dos convites a núcleos sociais carentes. Mas cerca de 700 manifestantes que protestaram do lado de fora, revoltaram-se, exigindo mais uma vez que o governo providencie meios de produção natural de alimentos. Afinal de contas, os pratos oferecidos contavam com verduras e legumes raríssimos e de altíssimo valor, inacessíveis para 99% da população. Dentre eles, a exótica alface crespa e a delicada berinjela baby, cultivadas em bolhas, nas terras suspensas dos laboratórios da FGV (Fazenda Gourmet Virtual), diretamente da seção de Reprodução do Ontem. A polícia controlou o tumulto jogando bombas de odor de efeito moral.Num suspiro melancólico, Dinda, virando-se agora para a moça distraída com seus afazeres, desabafou:
- Que saudades do cheiro de terra. E da minha hortinha...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O mar em extinção

A cena mais chocante que vi num desses documentários sobre a chamada sopa de plástico existente nos oceanos, foi a de um isqueiro achado dentro da barriga de um peixe. E segundo um biólogo, eles engolem lixo marítimo porque não sabem distinguir o que podem e o que não podem comer, ou seja, mordiscam tudo o que encontram pela frente - afinal de contas estamos falando de peixes e não de cães farejadores. Mas sei que a cena que me chocou não passa de um grãozinho de areia perto da grandeza do problema da poluição dos mares. Veja no link:
http://www.youtube.com/watch?v=1Bal8FKAY04&feature=related

Alimentos em extinção

Olha, não sou garota propaganda da Época, mas ultimamente temos tido muita sorte nas matérias. Não ando dizendo que a comida está cada vez mais plástica e menos natural? Pois o texto do link abaixo nos mostra alguns dos alimentos que estão em extinção nos países em destaque. A maioria é de queijos artesanais.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI86925-15257,00-ALIMENTOS+QUE+CORREM+RISCO+DE+EXTINCAO.html

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cebola crocante em rodelas. Aos montes.

Fui liberada do almoço de Dia dos Pais pela família. Ufa! Como toda família italiana que se preze, o almoço teve a força da união: a neta fez a lasanha preferida do patriarca, com lombinho defumado no lugar do presunto. A mãe preparou de véspera, deixando curtir numa vinha d’alho, o lombo com osso, que depois foi assado durante uma eternidade. E a tia contribuiu com a saborosa salada de batatas, com muito azeite, ovos, cheiro verde e palmito – uma espécie de maionese da casa, com gosto de domingo festivo.
E o lombo assado veio acompanhado de rodelas empanadas de cebola, que há tempos não comia. Mas essas rodelas crocantes de cebola não são como as ostentosas onion rings, não. Essas são até bem feinhas, pois são bem mais finas e murcham um pouco na hora da fritura, após serem passadas na clara e depois na farinha de trigo. E demoram um pouco para dourar, mas quando isso acontece - escute, caro leitor – quando aquele monte de rodelas finas e empanadas douram na frigideira, você já começa a imaginar o “croc” da mordida e o quente adocicado da cebola na boca. Só não pode deixá-las queimar.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Saiu na ÉPOCA

Nomes divertidos podem fazer crianças comerem mais vegetais. Estudo da fundação Robert Wood Johnson, nos Estados Unidos, sugere que mudar o nome de frutas, verduras e legumes faz seu consumo crescer entre as crianças. Quando "cenouras da visão raio-X" , no lugar de simples "cenouras", foram servidas no almoço de crianças em idade pré-escolar, elas comeram quase o dobro do que normalmente comiam. O resultado faz parte de uma pesquisa com 186 crianças de quatro anos que foi apresentada nesta segunda-feira (2) no encontro da Associação de Nutrição Escolar americana. Segundo o estudo, mesmo depois que o vegetal voltou a ser chamado pelo nome simples, as crianças continuaram a comer 50% a mais do que costumavam consumir. "Qualquer coisa que estimule a imaginação delas parece estimular também o apetite", disse o pesquisador Collin Payne.
O líder da pesquisa, Brian Wansink, da Cornell University, afirmou que "dar nomes legais à comida faz as crianças pensarem que vai ser mais legal comê-las". "Pode ser 'vagens do poder' ou 'árvore do brócolis dinossauro'", disse. Segundo Wansik, que é autor do livro Mindless Eating: Why we eat more than we think (Comendo sem pensar: por que comemos mais do que imaginamos), a mudança de nome causa uma expectativa diferente em relação ao alimento, o que traz uma nova experiência, mesmo que a comida seja a mesma. Essa sugestão também funcionaria com adultos. Um outro estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que, em um restaurante, quando mudaram o nome de um prato de "filé de frutos do mar" para "suculento filé de frutos do mar italiano", suas vendas cresceram 28%.
(Revista Época, mar/2009)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Make-a-wish

Fiquei emocionada ao conhecer o trabalho desta ONG realizadora de sonhos de crianças que sofrem com doenças graves. O Gabriel tornou-se mini-policial por um dia, a Letícia quis conhecer a praia. Já o sonho de Nina, de 16 anos, é ser chef de cozinha. Quem abriu as portas de seu restaurante para recebê-la? Ninguém menos do que o generosíssimo Alex Atala. Acompanhe a história: http://www.makeawish.org.br/galerias/nina/nina.htm

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um hábito não é uma necessidade

Gosto desta frase. Ela se aplica muito bem às manias que temos na cozinha, ou porque aprendemos assim desde sempre, ou porque acreditamos em propagandas. O uso freqüente de caldos e porçõezinhas mágicas de temperos químicos e industrializados na comida é um bom exemplo. Um tablete de caldo de legumes para dar sabor aos legumes é algo que uma dona-de-casa do início do século passado acharia estranho. Um tablete de caldo de peixe para dar mais sabor ao peixe, idem. A propaganda está dizendo que você é incompetente e que a natureza criou tudo com gosto de absolutamente nada. Crianças e adultos vão se acostumando tanto aos sabores plastificados, condimentados e reinventados, que quando comem a comida temperada naturalmente, com sal e ervas frescas, estranham e acham tudo sem gosto. E quantos quilos ingerem desses artifícios por ano? Depois dizem que bacon faz mal à saúde. Mandioquinha tem seu sabor próprio, assim como a carne, a escarola, a cenoura e o feijão. Precisa de mais?

domingo, 26 de julho de 2009

A berinjela

Torta como era, desencaixada e fora de padrão das demais, sentia-se o patinho feio da espécie, com a desesperança de que sabia que não pertencia à uma outra. Insatisfeita, afeiçoava-se às bananas: se era tão curva e magra, por que é que não fazia parte daquele grupo? Mas existem escolhas que a vida não nos dá. E cresceu infeliz como tinha de ser, como faz a aflição dos excluídos. Um dia foi comprada com mais cinco e pela primeira vez sentiu-se desejada. Não era a primeira vez que a notavam, isso até em exagero, desde sempre. Mas agora era desejo de vontade, desejo salivado. Depois de confinadas e tratadas de igual modo por uma força maior, viraram cubos, centenas deles do mesmo tamanho sobre a tábua. Embaralharam-se. E viraram uma coisa única na panela, elas cortadas em formas iguais, como o universo e seus fragmentos mais invisíveis fazendo parte de uma consciência divina. Se soubesse que ia parar no mesmo lugar que as outras, não teria a berinjela deixado de olhar a vida.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Maçã

Nasceu com a polpa para o lado de fora e as sementes enfeitavam a superfície farinhenta, adocicada e azeda como é a consistência da maçã. Por dentro o crocante da casca se quebraria ao encontro dos dentes. Nada mais.
Ingênua, foi arrancada do pé imatura e chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram tanto a maçã, que da casca fizeram polpa e da polpa fizeram casca, porém nada se descobriu.
Descontentes, arrancaram a macieira, que chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram a macieira, que dos galhos fizeram tronco e do tronco fizeram galhos, porém nada se descobriu.
Descontentes, arrancaram toda a terra que rodeava a macieira, que chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram a terra toda como permite as ferramentas da ciência, porém nada se descobriu. A partir daí ninguém mais se pronunciou. Só haviam se esquecido de revirar os céus. O tempo da maçã passou, apodreceu, nem degustada foi.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A delicada e o truculento

Continuando na onda de sopas, já que o frio nem pensa em fazer as malas e nos deixar, quero compartilhar com o querido leitor mais uma idéia boa de um creme prático, um dos meus preferidos, daqueles de aquecer as canelas.
Como sabemos, existem vários tipos de abóbora, uma ideal para cada tipo de receita. Aquela imensa de pescoção, deixemos para fazer doce. Ela é aguada e por isso fica horas e horas apurando com o açúcar no tacho. Por essa mesma razão é impossível usá-la para fazer nhoque, por exemplo. Nesse caso é melhor a cabotian ou a de pescocinho - a abóbora paulista da casca esverdeada - que são mais massudas. A moranga, aquela das festas de Halloween, é própria para receber um bom creme de camarão com catupiry, o clássico. Para um quibebe, qualquer uma vai bem. Mas aqui nada é regra, apenas o bom senso indicando o que é melhor.
Gosto de fazer um creme com a paulista ou a cabotian, por serem mais adocicadas também. Fervo a abóbora em pedaços e depois retiro as sementes e a casca, bem mais fácil. Depois bato no liquidificador com um mínimo de leite ou água. Um mínimo, só para formar o creme. De volta à panela, deixo ferver e coloco uma pitada de sal, mas nada de sufocar o mel delicado e natural da abóbora. Pronto.
À parte, misturo um pedaço de gorgonzola com um pingo de creme de leite, amassados com um garfo. Sirvo o creme quente no prato e coloco uma colherada da pasta de queijo no meio. Para decorar, umas folhas frescas de salsa.
A emoção de apreciar esse prato não se limita somente ao sabor, mas ao equilíbrio que você mescla em cada colherada: um pouco do creme e um tantinho do corpulento gorgonzola para contrastar.

Foto: Regina Bui

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Creme de palmito

Simples de se fazer, mas você pode ser aplaudido em pé ou estragar o jantar de seu convidado se não souber prepará-lo.
Fico profundamente irritada quando sinto gosto de farinha ou de maisena a cada colherada que desce. Algumas dessas padarias-boutique estreladas oferecem no inverno cremes e sopas para encorajar o público a sair de casa e tomar algo quente, algo que esteja além de um capuccino duplo. Você chega na frente do buffet e se depara com quatro ou cinco tipos de sopas charmosas e convidativas. E a de palmito está sempre lá. Confesso que nesse caso nunca vou com tanta sede ao pote. Começo colocando apenas uma concha no prato para experimentar. Se gostar, sirvo-me de mais.
Acontece, querido leitor, que existem maneiras e maneiras de engrossar um creme com farinha, se preciso for, pois há quem prefira acrescentar mais palmito no liquidificador para dar a consistência ao prato.
A maneira mais correta de usar esse espessante para caldos e cremes é misturar farinha com manteiga derretida (na quantidade que desejar), até formar uma pasta não muito mole, e refogar em fogo baixo, mexendo sempre, para que a farinha cozinhe bem por alguns minutos. Essa mistura chama-se roux, muito usada em restaurantes. Assim que o caldo ou o creme estiverem borbulhando na panela, acrescente um pouco de roux, dissolva bem e espere encorpar.
São três as vantagens do uso do roux: você pode guardar a pasta na geladeira por uns dias, não empelota e o sabor da farinha fica super escondidinho. Bom fim de semana!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Tá chovendo hambúrguer

Assistindo a ERA DO GELO III (esses desenhos em 3D, definitivamente não são só para crianças), vi o trailer desse outro desenho genial, que promete:

terça-feira, 14 de julho de 2009

Marilyn Repolho e Mona Tofu

Uma artista chinesa uniu o útil ao agradável: refez algumas das pinturas mais famosas com verduras e legumes. Isso também é cultura! CLIQUE AQUI

domingo, 12 de julho de 2009

A fome de Inacinho

Inácio, ou Inacinho, como era chamado pelos mais velhos, era feliz em sua simplicidade. Não tinha ambições e nem desejos impossíveis. Vivia num vilarejo do fim do mundo, sem contato nenhum com o restante inchado do planeta que o rodeava. E se não conhecia coisas grandiosas, como cobiçá-las? É simples de explicar, usando como exemplo o formato singelo de sua fome: Inacinho cresceu chupando cana, comendo banana, arroz, feijão, chicória, farinha e algumas variedades a mais oferecidas pelo pequeno pedaço de terra onde vivia - quando sentia um desejo imenso de comer uma coisa gostosa, aquela fome de abocanhar o mundo, era um docinho de milho daqui, uma galinha ensopada dali. E dormia satisfeito, sem imaginar e consequentemente sem nunca ter salivado ou se vangloriado por uma receita original de Tarte Tatin ou um impertigado filé de carne de kobe.

Foto: Regina Bui

sábado, 11 de julho de 2009

Sem remédio

Queridos leitores, andei doente. Há dois meses uma gripe tenta me derrubar. Ia de encontro à ela, dava uma cacetada de vitamina C e continuava em frente. Mas dessa vez a coisa foi feia. Febre, tosse, dor no corpo dos pés à cabeça e tudo de mais ruim que poderia ter acontecido. Hoje começo a melhorar, após uma semana, literalmente dormindo, a base de antigripais, xaropes e analgésigos. Se é suína? Sei não, também não tenho coragem de saber - a gente nunca acha que isso acontece com a gente. Mas a culpa não é do frio não, é toda minha. Ando me alimentando mal. Sem frutas, verduras e legumes como deveria, como acontece quando temos as mães por perto. Fazer o quê. Casa de ferreiro, espeto de pau!

sábado, 4 de julho de 2009

Sábado

Umidade fresca no ar. Do chão dos pastos ao encardido das telhas velhas. Manhã de nuvens lavadas e alvas, que quase se sacudiam como fazem os passarinhos molhados.
Como todos os dias, não havia emoção no leite ou no café, ou no bule que o levava quente. A emoção se dava na riqueza do paladar de cada um.
Um tanto de massa está sendo sovada. Passa pela estreiteza do cilindro do mesmo jeito que a vida nos prova, uma, duas, infinitas vezes, até ficar do agrado do criador. Ninguém diria que aquilo era só farinha e ovo - ninguém diria que do pó fomos feitos.
A massa amarela descansa e espera com a mesma presteza de toda comida, mas não sabe que outras provações virão.
Dinda rasga desfiadinho um pedaço de pernil, assado na madrugada sobre as brasas do fogão adormecido. A carne absorveu a essência dos temperos e deixou-se dominar. Ela e os outros sabores eram agora uma coisa só: um recheio digno de ser abraçado.
Em pequenos quadrados, a massa envelopa - pelas mãos de Dinda - o pernil pronto transformado em centenas de pequenos tantinhos.
Os raviólis de pernil estufam na água quente enquanto o molho vermelho ferve calmo e macio na panela grande ao lado. Na mesa, travessa fria, salada fresca: pedaços não menos carnudos de palmito intercalados com brotinhos de erva-doce.
Prato do dia: emoção.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O presente

Nós da cozinha sempre chegamos muito cedo aos eventos: aquele jantar estava marcado para as vinte e trinta. A anfitriã, não sei se por nervosismo ou sossego demais, apreciava um Royal Salute em pleno pôr-do-sol. Alegre e esfuziante pela noite especial que estava por acontecer, preparava-se para receber os seis convidados que escolhera a dedo.
A sala do jantar, que já era aconchegante, ia tomando cara de restaurante dos sonhos: as flores fotogenicamente arrumadas; a toalha de mesa impecavelmente engomada; os talheres reluzentemente lustrosos; as taças com ar de fragilidade, que pareciam nos convidar a protegê-las com a mais sutil delicadeza; guardanapos dobrados como pelas mãos de um estilista; baldes de gelo estrategicamente colocados e um quase imperceptível cheiro de lavanda no ar.
O garçon repassava a sequência de vinhos que acompanharia os pratos do cardápio. Na cozinha, o cenário completo de sempre, o som das facas, dos pacotes, das latas e o vapor das panelas que subiam, levando para todos os cantos o aroma de cada ingrediente.
E assim tudo começou. Cada convidado que chegava dava um pulo na cozinha, falava um “oizinho”, xeretava carinhosamente o ambiente, contava sobre uma receita qualquer e voltava para a sala de forma muito descontraída.
Aquela noite parece ter sido interminável, deliciosamente interminável. Pratos cheios eram levados da cozinha para a sala e garrafas vazias de lá voltavam.
Altas horas a elegante e badalada anfitriã entra na cozinha pé ante pé, naquele velho e conhecido entorpecimento etílico e procura nos armários alguma coisa. Abre uma lata linda daquelas importadas de bolachinhas banhadas em chocolate e, ali mesmo, em pé como se tivesse ordenado que o tempo parasse ou como se estivesse sozinha naquela casa imensa, come de olhos fechados em seu infinito prazer, uma a uma.
Um pedaço da noite ainda restava. Depois da pausa pós-jantar ainda viriam os licores, a sobremesa e o café. Segundo tempo: de volta à mesa os preparativos para o gran finale saía, e na cozinha, às pressas, entra uma convidada eufórica e pede: “deixei por aqui uma lata de bolachinhas para fazer surpresa, alguém viu?”

terça-feira, 30 de junho de 2009

Um pensamento

Se tivesse que voltar no tempo e deixar algum conselho a mim mesma, diria: "fique tranquila", pois, de nada adianta as coisas darem certo ou errado se você não estiver - inteiro.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quarta-feira

Dia de vento, chuva a toa, cheiro de terra molhada. O sol quer um lugar, por enquanto não achou. Cozinha aberta para quem vier, janelas de caras fechadas.
Tem canjica e chá de casca de abacaxi engrossando o cardápio infinito de bom que compõe a mesa do café matinal. Hoje é dia de fazer mais queijo, uma leva de dez.
A orquestra das panelas recomeça. Dinda põe tudo em movimento, como se só de olhar as coisas rodopiassem no ar até tomarem novos lugares, de prontidão, na mais leve harmonia, como música clássica.
Ensaia uma piapara igual filosofia. Enquanto isso, mexerica nas mãos, separa os gomos, e dos gomos os caroços e as peles: "daqui sai compota." O amarelo da farinha sugere uma farofa. Vê de novo a piapara, mas combina com cuscuz. Então limpa o peixe, esfrega com punhado de sal grosso, como se tivesse que o proteger de algum mal. Agora as mãos ficam leves, de criança: apanha os ovos com delicadeza, um a um, aninha o todo no fundinho da caneca d’água. Amassa a pasta verde, tempero e alma desse cuscuz. Uma parte da sardinha se banha no caldo, pelando, que já cai de cara na farinha seca. A outra parte, decoração da massa quente, coloca de lado. A pelota se forma e a mistura do vidro inteirinho de azeite dá maciez, e faz-de-conta, serve de ungüento.
Mas a cozinha quer calor. Um tacho de óleo se esquenta para encrespar pedaços de batata-doce, aos montes.
O peixe quando sai do forno, segura com força a fumaça que se aloja na carne úmida e quente, até o corte do primeiro pedaço romper a capa crocante da pele. Depois se esfria no cuscuz gelado, esquenta outra vez na polpa mole da batata-doce, e por fim, se arde todo no molho do limão-cravo.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Infame das boas

O que o canibal vegetariano come?
A planta do pé e a batata da perna.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Programa de índio?

Passei parte do dia de ontem na festa de São João, em Laranjal Paulista. Haviam me alertado: “é programa de índio.” Mas como de vez em quando é bom conhecer outras tribos, deixando de lado a idéia de que a nossa é sempre melhor, fermentei minha curiosidade. Debaixo de um mar de bandeirinhas cruzadas a festa se dividia: de um lado da Igreja Matriz, a feirinha de bugigangas, daquelas mais absurdas ou simpáticas de comprar; barracas de brincadeiras e desafios, como a de tiro de espingardinha de rolha, que não tinha nem a força de provocar um ventinho no ar, quanto mais de derrubar as prendas. Do outro lado da paróquia, o principal: a barraca de espetinhos de carneiro, oriundos de sítios daquela região e portanto, sem vestígios de sabor de parede de freezer; churrasco de javali e búfalo, kafta no espeto, herança da influência da imigração libanesa daquela cidade, sopa de capeletti dos italianos, tão artesanal quanto as imensas toalhas de mesa que por ali se exibiam. E os doces? Churros quentinhos, pastéis de Santa Clara, balas de goma árabe, crepes, morangos cobertos de chocolate e quebra-queixo para despertar o gostinho adormecido da infância. Fazia décadas que não ouvia uma bandinha de rua, que não via pau-de-sebo, e nunca, jamais, um cururu, tipo de “repente nordestino” do interior paulistano. Não havia nenhuma mega produção que pudesse camuflar ou quebrar a integração e o calor humano dos laranjalenses, o que geralmente caracteriza o que chamam de programa de índio. Pena que não pude ficar para ver os Demônios da Garoa no final da festa.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Tutu de perdição

Qual é a cidade que exala cheiro de boa comida, trazido pelos ventos, de dentro das velhas cozinhas até as ruas de pedras? Onde nasceram sabores em meio a histórias tão ricas, testemunhadas serenamente pela gigantesca e inabalável muralha verde? Tiradentes foi amor à primeira vista, lá em Minas, onde alho, tempero dos temperos, tem gosto de alho, como em nenhum outro lugar. Tutu de feijão, frango com ora-pro-nobis, couve refogada no susto, pastel de angu. É certo que é preciso garimpar sempre a mão boa e o ambiente agradável, mesmo que seja um boteco. Botecos tem seu charme, até os que adotam involuntariamente cãezinhos mascotes em suas portas, que nos olham com aquela paz amineirada. Talvez eles sejam mais felizes do que outros cães, porque respiram o perfume defumado que sobe das panelas o tempo todo. Não é à toa que Tiradentes, num cenário perfeito, abriga o festival gastronômico mais importante do país, que acontece em agosto próximo. Se o texto lhe convenceu já é uma perfeita desculpa para não perdê-lo.

Foto: Regina Bui

terça-feira, 16 de junho de 2009

Terça-feira

Novo dia, como nenhum outro da história, como se apresenta de fato qualquer dia novo. Na cozinha não é diferente: as receitas se repetem, mas não os legumes da mesma horta, não as frutas do mesmo pé, não o sal do mesmo mar.
Dinda prepara o café como sempre, renovada, ineditamente a mesma.
A mesa pronta e engomada recebe os alvoroçados da casa: suco de laranja, cafezinho coado, leite morno, o queijo, presunto fatiado, bolo de araruta e broinhas, feitas ontem com farinha de jatobá.
Não teve filhos, mas faz dos cinco da casa os seus próprios. Um pede omelete, logo, todos querem.
Hoje tem canjiquinha de xerém com lingüiças da fazenda: calabresa artesanal, condimentada que só ela e uma bem gorda, mista de porco e galinha.
Dinda tira a mandioca da terra e debaixo d’água tira a terra da mandioca. Separa o couro do bacon, um bobo e grande segredo - o couro, frito na gordura dele mesmo, quando pururuca, arranca sua própria essência e, generosamente, se doa para o feijão, a lentilha, o grão-de-bico, os ensopados todos e a canjiquinha de hoje.
Faz o alho corar no chão infernal da panela:
- Vou pintar o arroz de queimadinho.
Junta na grande tábua um tanto de cheiro verde, hortelã e sálvia. Tudo fica miudinho. As ervas úmidas colam na lâmina, sobem e descem como gangorra, e se espalham, depois se encontram.
Prato do dia: xerém perfumado de bacon, lingüiças e ervas novinhas, mandioca crocante, arroz cor de sépia e salada de tomates, de um vermelho vivo, adocicados sob medida pelas mãos da talentosa mãe-terra. A comida da Dinda, num trabalho de continuidade com a natureza, não demonstra cansaço e nem palidez.
- João, me traga um pato robusto. Hoje à noite faço canja!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Feriado Santo

Aos amigos, leitores e blogueiros, desejo um feriado de descanso, sossego, vagabundagem e ócio. Tentarei fazer o mesmo. Semana que vem tô de volta! beijões

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Segunda-feira

O dia acorda na fazenda com o canto pontual de um galo impiedoso. Quebra pesadelos e sonhos e traz os dorminhocos para seus lugares reais: o quente macio da cama.
Lá fora o orvalho vitrifica o verde do pasto, o espelho do sol, que se observa com um olho, o outro ainda desperta.
Na cozinha, porém, não há espaço para a preguiça. Facões explodem abóboras e cocos. E os jatobás esperam por sua vez. Tudo vai virar doce. Quem disse que existe doce de jatobá? A Dinda tem receita.
O aroma do café rodeia, as borbulhas do feijão estouram sem alarde – Dinda não põe feijão de molho, cozinha bem lentamente – o pão assado pede o gosto da manteiga, que ainda ontem, era leite morno e tirado agorinha mesmo.
Faz três, cinco, sete coisas ao mesmo tempo. Tece o cardápio do dia e pensa nos preparos de amanhã.
Acorda inspirada, como todo dia, pois há tempos não fazia uma receita. Enquanto os da casa se sentam à mesa, Dinda mistura a salmoura com vinagre de tinto, alho e louro. E deita um lombo na travessa.
Serve o queijo e a geléia. Manda suco de lima-da-pérsia, fresquinho. Rala o côco, corta a abóbora, enche o tacho. Fala com ela mesma e com quem mais ouvir:
- Êta, que isso aqui vai ficar bom!
Tudo encaminhado: o feijão que cozinha, o doce que apura e o lombo que se banha no molho. É cedo, mas a manhã voa. Visita a horta, colhe salsa, cebolinha, alface e couve.
Afia as facas e o aroma da cozinha agora muda: o vinagre de tinto se casa com a alma do cravo que sobe do fogo. Nem o frio dos azulejos, um azul colonial, inibe a mescla de cheiros. O doce carameliza e toma forma de uma pasta fibrosa.
- Que é isso, menino? Não tem lição hoje?
Agora o forno esquenta. O lombo se prateia de alumínio, embalado pelas mãos de Dinda:
- Te vejo daqui a pouco!
Enxágua as folhas e descansa uma por uma no escorredor. Folheia os livros, consulta idéias e acha um pouco mais de inspiração.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Sopa de mandioquinha com camarões rosa

Claro que não vivemos só de salada, principalmente nesse friozinho. Para acompanhar a salada thai, vai a dica:

Ingredientes:Mandioquinha cozida e espremida
Saquê
Creme de leite
Camarões G rosa limpos
Manteiga e azeite para fritar
Pimenta dedo-de-moça cortada em rodelas
Ervas frescas para decorar (manjericão, dill, salsa)
Sal a gosto
Modo de preparo:Coloque a mandioquinha cozida e espremida numa panela. Use o bom senso e faça um creme líquido com a mandioquinha, creme de leite e o saquê. Deixe ferver em fogo baixo por 10 minutos. Corrija o sal.
Tempere os camarões com sal e frite-os com as pimentas em azeite e manteiga.
Sirva o creme com os camarões fritos e as ervas.

Salada thai

Já falei sobre molho de ostras anteriormente, muito fácil de achar em empórios asiáticos e pães de açúcar da vida. Essa saladinha é uma delícia. Na verdade, o segredo todo está no molho.

Ingredientes:
Miolo de alface
Broto de bambu
Abacaxi em cubos
Cebola em rodelas
Tomates cereja
Hortelã, cebolinha e coentro picados

Para o molho:
2 colheres de sopa de açúcar mascavo
50 ml de molho de ostra
50 ml de água

Modo de preparo:
Leve ao fogo o açúcar mascavo com a água e o molho de ostras até levantar fervura. Em seguida coloque para esfriar na geladeira. Monte a salada com o molho geladinho e sirva.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Restos imortais

Dentro do plástico, resistente a mordida de cães ou andarilhos, encontravam-se desmaiadas pelo calor fatal de um cozimento lento, algumas rodelas de cebola. Também umas cascas rasgadas de bananas - surpreendente seria se as cascas estivessem inteiras e ocas por dentro, como se pudessem seus conteúdos serem arrebatados ilesos, sem o preço do sofrimento físico, coisa que esperamos acontecer com nossas almas. Havia gorduras separadas de uma carne, os pecados rejeitados dela, um pedaço de pão umedecido pelo suor da mesma cebola, que já ia deslizando, afetada diretamente pela oleosidade da gordura. Um sugando e outro contaminando, como é a vida. Revirando mais um pouco viam-se ossos lisos de tão raspados, até o último vestígio de sabor, mas agora, não tendo nem por onde gritar, descansavam em paz. Bagaços retorcidos de uma laranja sugada misturavam-se ao que antes lhe servia de roupa, as tiras cítricas e agora secas que anteriormente coladas os protegiam, os gomos, tão orgulhosos e inchados de seu suco. Curiosamente achava-se também, intocado, nem por um fio de óleo ou lâmina de uma faca, um pequeno peixe. Este passou pela vida e foi aproveitado só para o bolso do pescador. Que morte indigna teve o peixe, arrancado do mar e sepultado na mesma terra que haverá de comer todo o resto: nem cães, nem andarilhos comerão, somente a terra haverá de digerir. Imortal, apenas o plástico.

terça-feira, 2 de junho de 2009

A serpente e a maçã

Vendo que a maçã estava insatisfeita e opaca, perguntou a serpente:
- Por quê andas tão sem vida, maçã? Certamente não é a terra que te alimenta, vejo pelos frutos desta árvore, nem a base de teu galho foi ferida, tampouco adoeceram tuas raízes.
- Enjoei dos sais desta terra e do cotidiano que me fatiga.
- Não sejas mimada ou ingrata por tudo que te dá gratuitamente o universo. Tu vieste ao mundo, bela e doce. Vês o tamarindo, que é feioso, azedo e com nenhuma polpa? Mas não reclama como tu, maçã. Antes, esforça-se constantemente para melhorar.
- Sabemos que nunca vai melhorar. Um tamarindo será sempre como disseste, feioso, azedo e com nenhuma polpa.
- Para isso foi criado o sofrimento, exercícios de humildade são sempre bem vistos.
- Nisso não vejo sentido.
- Não sabes dos desígnios do Criador.
- E por acaso o Criador vê utilidade em mim, uma maçã comum em meio a tantas outras?
- Se a ele não houver utilidade posso eu te fazer muito importante.
E o resto da história nós já conhecemos: depois de Eva ter mordido a maçã, virou-se esta para a serpente e disse:
- É assim que tu me tornas útil? Servindo de tentação para essa inocente mulher?
- Para isso foi inventada a culpa. A culpa, que gera remorso, que gera prostração, que gera choro, que gera aflição, que gera um olhar de arrependimento para os céus e que gera, a partir daí, os movimentos de uma outra etapa: a busca pela reconciliação, o pedido de perdão e a aquietação de um comportamento de rebeldia sem causa – que era o que precisavas.


Foto: Regina Bui

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Concheta


O italiano macarrônico da divertida música do Lingua de Trapo, nós sabemos que é consequencia da imigração italiana no Brasil, e é uma sátira carinhosa, principalmente aos paulistanos da gema:

Querida Concheta
Estô io a te ligare
Pra te convidare
Pra manjare con me
Comê unas brachola
Queijo provolone
E na radiola
A Rita Pavone
Despois unas pizza
Tipo califórnia
Tutte mezza a mezza
Ma que bruta esbórnia
Concheta, vita mia,
Ti ricorda quella notte,
Quella notte
Que nóis fumo lá
No show da Língua de Trapo
Você não queria ir, Concheta
E você me falo:
Facchiamo l'amore lá no meu beliche.
E io te diche:
Má logo agora que misturei
Cocomero com aliche,
Ocê vem me falá de amore?
Di séquiço?
Que eu tô com una bruta dolore no
Duodeno!..
E ocê parlô per me:
Vá! má me toma um sar de fruta Eno.
E a dolore foi aumentando, aumentando,
Aumentando
E io gritei pro garçon:
Chega di spaghetti
Suspende a escarola
Leva o capelletti
Tira o gorgonzola
Traz um sar de fruta
Dio, Dio tutta meia
Questa pastasciutta
Meu deu diarréia

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Confraria (secreta) dos chefs

Eram sete. Reuniam-se uma vez por semana na casa de um, sempre às segundas-feiras, dia de folga. Levavam um vidro de picles, tremoço, coxinhas, latas de sardinha, salsichas, croquetinhos, mortadela, pão e catchup. E bebiam muito. Rabo-de-galo, coca com vodka, jurupinga, catuaba e o que viesse de comum ou mais trash. Era dia de colocar o espírito encharcado de profissionalismo e poses secando em algum varal. De deixar as frescuras do lado de fora da festa. Ninguém conseguia bancar por muito tempo a hipocrisia do glamour em que viviam. Era preciso vez ou outra usar e abusar de uma válvula de escape.
- Um brinde a esse mundo chato da porra!
- Cheio de etiquetas.
- Cheio de blá, blá, blá!
- Cheio de formalidades.
- Cheio de gente metida e interesseira!
- Um brinde a esse mundo chato da porra!
- Tim-tim!
No dia seguinte acordavam com enxaqueca, sem vontade de prosa, pensando nos peixes frescos que haveriam de chegar, no menu confiance, nas facas novas, no fornecedor de cogumelos, na matéria de capa, na receita inédita, no uniforme engomado, no teste do sorbet, na troca de cozinheiros. Cada um em seu bistrô. A semana começava fria e ia esquentando com a adrenalina da pressão e dos desafios que ocorrem dentro da cozinha.
Eram sociáveis, simpáticos, conquistadores, talentosos, charmosos e canalhas.
E faziam um sucesso danado.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Arroz de ponta cabeça

Quanto de óleo basta para refogar o alho e a cebola do arroz? Nem uma gota. Mas isso é muito automático, aprendemos assim: enquanto pensamos na novela, nos filhos, no caso de amor perdido ou no longo dia de trabalho, vamos despejando o óleo no fundo do tacho. E de prato em prato, engolindo litros, sem necessidade.
Sem nada na panela, a cebola sua e o alho pega no fundinho, daí que é só colocar arroz e água. Também não é preciso ficar horas refogando o coitado. Afoga de uma vez.
Sem rituais para fazer arroz, apenas a água, fria de tudo – o dobro da medida de arroz e mais um copo de lambuja. Sal e um adeus.
Quero ver se não dá certo.



Foto: Regina Bui

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Papo de mães

- ... e como está sua filha?
- Beeeeem, minha filha se casou com um homem maravilhoso, que cozinha e leva o café na cama!
- Ai, dê graças a Deus mulher, porque meu filho casou com uma vagabunda que além de não gostar de cozinhar ainda pede café na cama!

Indigestão

Tem um tal de site de relacionamentos chamado BADOO que está infernizando a vida das pessoas. Você recebe um e-mail de um conhecido dizendo que existe uma mensagem à sua espera. Pura pegadinha de mal gosto, das piores. Portanto, se alguém receber um e-mail convidando-o para ler uma mensagem minha, cuidado, não caia. Isso não é uma rede, é uma teia de caranguejeira!

terça-feira, 26 de maio de 2009

Como Neruda cozinhou um poema

A alcachofra
de terno coração,
vestiu-se de guerreiro,
ereta, construiu
uma pequena cúpula,
se manteve
impermeável sob suas escamas,
do seu lado
os vegetais loucos
encresparam-se,
fizeram-se juncos
bulbos comovedores,
no subsolo
dormiu a cenoura
de bigodes vermelhos,
o vinhedo
ressecou os sarmentos
por onde sobe o vinho,
o alface
dedicou-se a experimentar saias,
o orégano
a perfumar o mundo,
e a doce alcachofra
ali na horta,
vestida de guerreiro,
brilhosa
como uma granada,
orgulhosa,
e um dia
uma com outra
em grandes cestos
de vime, caminhou
pelo mercado
a realizar o seu sonho:
a milícia.
Em fileiras
nunca foi tão marcial
como na feira,
os homens
entre legumes
com suas camisas brancas
eram
mariscais
das alcachofras,
as filas apertadas,
as vozes de comando,
e a detonação
de um caixote que cai,
mas
então vem
Maria
com seu cesto
escolhe
uma alcachofra,
não lhe teme,
a examina,
a observa
contra a luz
como se fosse um ovo,
a compra,
a confunde na sua bolsa
com um par de sapatos,
com um repolho e uma
garrafa
de vinagre
até
que entrando na cozinha
a submerge na panela.
Assim termina
em paz
esta ocupação
de vegetal armado
que se chama alcachofra,
logo
escama por escama
desvestimos
a delícia
e comemos a pacífica pasta
do seu coração verde.
"Odes Elementais" / Pablo Neruda

domingo, 24 de maio de 2009

Vitello Tonatto

Ninguém fala dele, um prato frio, típico do Piemonte, região da Itália. Apesar de ser apreciado no verão, deixo aqui essa receita que me faz salivar quando bate a saudade. Pode parecer estranho, pois não temos o hábito, nem de longe, de misturar carne com um molho à base de atum e gostinho de limão. Mas querido leitor, isso faz arrepiar o couro, eu “agarantchio!”
Ingredientes:
1 lombo de vitela (+/- 700 gr)
250 ml de vinho branco seco
250 ml de água
2 dentes de alho amassados
1 folha de louro
1 talo de salsão picado
1 cebola pequena picada
Pimenta-do-reino
Sal
Modo de preparo:
Tempere o lombo com sal e pimenta. Em uma panela, esquente um pouco de óleo e doure a carne por completo. Em seguida, cubra com a água, o vinho e adicione a folha de louro, o alho, o salsão e a cebola. Cozinhe em fogo (médio/baixo) por cerca de 50 minutos, virando o lombo de vez em quando. Retire a carne e deixe esfriar. Coe o conteúdo restante da panela. Reserve os legumes e o caldo e descarte a folha de louro. Quando a carne estiver fria, corte em fatias finas e sirva com o molho (também frio) por cima.
Molho:
150g de maionese
200g de atum em lata
2 colheres de alcaparras
Caldo e legumes do cozimento da carne
Limão a gosto
Sal
Em um liquidificador bata a maionese, o atum, as alcaparras, o salsão e os temperos cozidos, o limão e junte, aos poucos, o caldo até chegar numa consistência cremosa. Corrija o sal.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Desejos exagerados, emoções escancaradas

Já disse anteriormente que muitas vezes não é a fome quem manda na gente, mas o paladar. Aquela tara de comer alguma coisa que vem à memória faz com que movamos mundos e fundos até degustarmos algo que nos deu prazer anteriormente ou qualquer nova tentação que apareça. Tudo por um momento de felicidade plena daquelas que só a boca e suas mil ferramentas sabem executar. E esse tipo de desejo parece que mata; em alguns momentos chega a ser pior do que a saudade de um amor perdido. Enquanto você não o fartar por completo, o sofrimento da vontade cega e louca lhe perseguirá sem dó. As expressões “comer de joelhos” e “manjar dos deuses”, devem ter surgido num desses delírios que nos domina numa das três fases a seguir: a do desejo, a da degustação e a da satisfação.
Uma vez estava falando sobre a receita de um purê – aquele de mandioca, com creme de leite e parmesão ralado, quando fica cremoso e quente – e uma amiga, engolindo a seco, o definiu:
- Isso é Deus em forma de purê?Não tinha ouvido nada mais exagerado em minha vida até então.
Um outro chef me contou que, num jantar, uma convidada veio lhe agradecer – chorando - e o abraçou apertado, após comer seu filé au poivre, aquele medalhão dourado e lindo de mignon, banhado de molho à base de caldo de carne do mais artesanal com pimentas verdes frescas.
Chorando? Também nunca tinha visto isso!
Mas existe um comportamento único, e esse, você pode estar no sul do Rio Grande do Norte ou no norte do Rio Grande do Sul, ou ainda do outro lado do mundo, no meio do oceano, não importa, é universal. É quando se trata do minuto exato de experimentar aquilo que tanto se quer, de deixar a boca e todos os sentidos em êxtase, da mastigação que faz você esquecer por completo que carrega um corpo vestido, e os olhos se fecham, e a cara que se faz é quase de dor. Depois solta aquele som meio desmaiado, no momento em que os ombros caem: “huuuuuuuuuuuuuummmmmmmmmmmmmmmmmmm...”


Foto: Regina Bui

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mineirice poetizada

CASAMENTO
Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A comida que vale por um abraço

Cozinha mineira lembra cozinha italiana. Não pelos temperos propriamente ditos, mas pela cultura da fartura e hospitalidade à mesa; da típica preocupação maternal, em que a provedora dos paladares exigentes (ela mesma que os acostumou assim), não sossega enquanto todos não estiverem satisfeitos; da casa cheia e da cozinha que funciona dia e noite sem parar.
Não conheço livro que revele melhor e de maneira mais fiel as receitas mineiras de toda a breve história dos últimos trezentos anos do que Fogão de Lenha, de Maria Stella Libânio Christo. Ele é um verdadeiro documento baseado em muita pesquisa e dedicação realizadas pela autora e tem por obrigação fazer parte da biblioteca culinária que montamos em casa com todo carinho. Os textos que acompanham ajudam-nos a sentir o gosto de cada receita e revela também o espírito do que é de fato essa cozinha tão rica.
O livro é dividido em: Quitandas (variedades servidas às visitas, como bolos, bolinhos e biscoitos), Doces, Quitutes (os pratos, quentes ou frios) e Licores e Bebes.
Veja só que curiosa a receita da bolachinha chamada Mentira e a dica prática que segue:
4 xícaras rasas (chá) de açúcar / 2 xícaras rasas (chá) de farinha de trigo / 8 ovos
Bater os ovos como para pão-de-ló. Juntar aos poucos o açúcar e a farinha, mexendo sempre. Com uma colherinha, pingar pequenas porções num tabuleiro polvilhado de farinha de trigo. Levar a forno quente para assar.
OBSERVAÇÃO: Duas “mentiras” unidas com doce de leite de recheio fazem a quitanda chamada casadinhos.
Você percebeu, fiel leitor, que trocadilho mais irônico? Eu, hein!

Foto: Regina Bui

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A cozinha contemporânea

Anita, uma leitora e também blogueira, indicou o Spanish Recipes, blog de clássicas receitas espanholas, porém repaginadas. Clássicas receitas feitas e servidas de maneira diferenciada fazem parte da cozinha contemporânea, seja na Espanha, aqui ou na China. Pegando carona no texto “Da naftalina ao microchip”, de dois andares abaixo, quero exemplificar melhor o que é isso para quem não sabe. Acho difícil alguém não saber, mas de qualquer maneira, falar de comida é sempre agradável.
Sem dúvida nenhuma a cozinha contemporânea aconteceu por causa da globalização. Ficou sem fronteiras, seja pela facilidade de termos à mão produtos importados como nunca antes, seja pela rapidez de informações que adquirimos através da internet e demais conseqüências. Por causa disso as coisas mudaram na gastronomia.
Hoje um pato com laranja não é o mesmo pato com laranja do passado. Pelo menos não na apresentação. Talvez você encontre um moderno pato com laranjinhas kinkam em algum cardápio atualizado. Um risotto de camarão feito com arroz arbóreo italiano pode ganhar ares de comida oriental, se feito com saquê no lugar de vinho branco, caldo a base de algas, Nam pla e curry verde. E o que dizer de um cuscus servido em casamento? Nem pensar! A não ser que seja feito em forminhas individuais de 5 cm de diâmetro, com pedaços de lagostins ao invés de sardinhas em lata e servido em pratinhos decorados com dressing de foie gras e pimenta rosa. O doce da foto é Romeu & Julieta, com goiabada mole e queijo de cabra. Assim, até uma comida regional pode ser reinventada sem deixar de ser elegante. E que tal uma canja de pato no final de uma festa regada a vinho da melhor qualidade?

Foto: Regina Bui

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Um pé de mexerica quase no meu quintal

O vizinho de fundo tem um pomar repleto de espécies diversas e, no final do interminável terreno, um pé de mexerica bisbilhotando no meu muro. A árvore, posso chamá-la de generosa ou intrometida, como alguém que se apóia com a ponta dos pés do lado de lá e se joga debruçada a me observar, do lado de cá – o que seria muita pretensão minha.
De vez em quando eu puxo uma folha e amasso o cheiro dela nas mãos, e não sei se por vingança ou birra, fixa aquele perfume na pele de um jeito que me faz lembrar de sua personalidade cítrica durante horas a fio.
A culinária é uma parceria. Os ingredientes entram com sua riqueza de sabor, cor e textura. E cabe a nós, meros dependentes, explorarmos essas divindades – o nosso maná - com o talento e os sentidos do olfato, paladar, tato e visão. Audição também, como descreveu Nina Horta em sua coluna sobre os sons das panelas e suas ebulições.
Quando a árvore deu frutos, alaranjados como o sol poente, imaginei que da polpa poderia ser feito um tacho de compota de mexerica caipira e de sua casca, lascas confitadas e crispadas para acompanhar um cafezinho passado na hora ou ainda, para decorar uma mousse de capuccino com chocolate branco.

Foto: Regina Bui

terça-feira, 12 de maio de 2009

Da naftalina ao microchip



Tudo na vida é repaginado. A cozinha também não escapa do movimento involuntário do universo.
No quartinho das bagunças estava revirando o baú, literalmente, e revendo livros e revistas antigas de cozinha - essas coisas que a gente ganha de tias-avós – com receitas dos anos 60. Achei um fichário em forma de mini arquivo com uns 200 pratos, todos ilustrados com fotos.
Lembra de quando strogonoff era super chique? Hoje ele reveza com o picadinho das terças-feiras. Mas continua gostoso. E galantine? Ninguém mais ouve falar. Assim como: fricassé, terrina, escabeche, civet, tournedos. Pratos a la: Provençal, Jardineira, Marengo, Normanda. Molhos: Rosé, Bourguignonne, Bérnaise, Bordellaise, Madeira. E as sopas? Parmentier, Vichyssoise. Saladas Russa e Niçoise. E sobremesas de nomes desaparecidos, como: Charlote, Diplomata de Frutas, Delícias de Côco, Surpresa de Laranja, Zabaione, Arroz Doce à Imperatriz, um pãozinho chamado Maravilhas e o conhecido Flan de alguma coisa.
E ainda outras receitas estranhas, tipo: Schenkelé, Bortsch e Pirojki. Pi o quê?
Fotos super produzidas para a época, mas nem um pouco apetitosas nos dias de hoje.
Muito bem. No mesmo dia, visitei um amigo aqui de férias, o João, que trabalha há um ano e meio com o chef Jorge Breton, em Valência, Espanha.
Quando João abriu seu laptop e me mostrou as fotos da cozinha-hi.tech-contemporânea-espanhola-fusion-ultramoderna toda em inox, só pude dizer:
- CaaaRaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaCaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
Nem panelas normais esses caras usam! Boca de fogo, só havia duas, para as reduções mais brutas. Resumindo, o resto dos alimentos são processados e cozidos em equipamentos digitalizados, cuja temperatura é totalmente controlada em tempo integral. Até as chapas são elétricas. Existe um banho-maria, por exemplo, usado para amornar um azeite durante horas com algum outro ingrediente, com a finalidade de aromatizá-lo. Uma outra maquineta a vácuo, que transforma sabores e texturas, pode fazer com que um pedaço de melão tenha gosto de maçã verde. E esses cozinheiros-cientistas fazem também cápsulas cheias de algum líquido e que estouram na boca. E coisas além de gelatinas e espumas.
Os pratos viram verdadeiras obras de arte, super coloridos e clean, às vezes com ingredientes não identificáveis, que depois você descobre ser uma fatia de nabo. E quer agradem ou não nosso paladar, ou, por mais que tentemos preservar a comida da vovó feita no fogão de lenha, daqui uns 50 anos teremos as engenhocas acima como eletrodomésticos em casa, comprados pela Polishop. Pode escrever!