DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Nada é proibido

Adulto que tem atitudes infantis é por fora. Mas liberar o lado criança, se ajudar a tornar sua vida mais leve, pode!

http://www.youtube.com/watch?v=f_8mrTExknI

domingo, 21 de dezembro de 2008

Presente de Natal

1) Trilha sonora do ano:
2) Agradeço imensamente à Dra. Celina. O tranco foi bom!
3) Farofa de castanhas portuguesas, para quem quer abafar na casa da sogra ou da cunhada:
- Castanhas portuguesas cozidas e picadinhas ou trituradas com as mãos, misturadas com salsinha batida somente. E só!
4) Sei que é chocante num blog de cozinha falar sobre sujeira, mas se me permitem os nojentos:
Feliz Natal aos catadores de lixo e varredores de rua, que como guardiões, levam tudo o que pode cheirar mal da porta da minha casa. Saúde e paz também aos lavadores de latrina dos shoppings centers cheirosinhos ou dos banheiros públicos (latrinas são iguais em todos os lugares do mundo)
5) Volto em 2009. Prometi a mim mesma uma troca justa de moderar na bebida e encher a cara de lichias gordonas. Beijos a todos!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Espírito de porco

São uns santos. E não conheço insulto mais injusto do que chamar alguém de espírito de porco. Só porque os porcos comem porcarias do chão? Só porque são fedidos? Não agiam de igual modo nossos ancestrais? Bem, fedidos ainda somos, é que o banho diário e os sabonetinhos de lavanda ajudam bastante. Mas assim é a natureza dos suínos.
Conheço vegetarianos que carregam no carro aquele adesivo: “Porcos são amigos, não comida.” Felizmente ou infelizmente continuo achando que todo tipo de alimentação faz parte da providência divina, desde que o mundo é mundo.
Hoje fui buscar num sítio duas leitoas para as encomendas de final de ano. Tive que escolhê-las ainda vivas, pois o serviço de encaminhá-las para conhecer a face de Deus era feito na hora.
Andando pelo corredor que separa os chiqueiros vi famílias de rabicós de todos os tamanhos em harmonia com galinhas e gansos que por ali ciscavam. Não havia ares afetados de vaidade ou de ganância hierárquica, mas sim de uma simpática familiaridade, inclusive com os cães daquele lugar.
Como posso proferir o nome de um porco em vão quando me referir a algum ser humano? Os animaizinhos não merecem!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Dom Casmurro em duas texturas


Ler Dom Casmurro foi como estudar a perfeição de uma receita e compreender o sabor de cada ingrediente na teoria. Assisti-lo na minissérie foi o prazer de degustar visualmente os detalhes e segredos do preparo deste prato: a qualidade e o frescor dos componentes, a mistura e a cocção, o vapor e o aroma, a apresentação e acompanhamentos, e por fim, a decoração e o serviço de um banquete completo. Do forno de barro diretamente para a tela digital. A Globo surpreendeu!

Foto: Regina Bui

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Ingredientes invisíveis

O preparo da comida carrega no ato uma responsabilidade velada. O que você despeja na receita enquanto cozinha tem a ver com seu estado de espírito, involuntariamente. Como se um fluido sem forma, cor ou nome, nascesse e corresse em suas veias e transitasse livre por entre os poros até tornar-se, naturalmente, uma energia, uma força. Força do bem ou do mal, vai depender inteiramente de sua intenção verdadeira. Como na fala abaixo, contida na peça A Gota D’água, de Chico Buarque, em que Joana, abandonada pelo marido, amassa um simples pão. Enquanto o prepara, tempera também com amargura e ódio. Esse é um exemplo extremo dessa energia venenosa que pode nos acompanhar, caso queiramos alimentá-la. A boa notícia é que o outro extremo é tão poderoso e benéfico quanto uma praga jogada para o universo.

Tudo está na natureza
encadeado e em movimento –
cuspe, veneno, tristeza,
carne, moinho, lamento,
ódio, dor, cebola e coentro,
gordura, sangue, frieza,
isso tudo está no centro
de uma mesma e estranha mesa
Misture cada elemento –
uma pitada de dor,
uma colher de fomento,
uma gota de terror
O suco dos sentimentos,
raiva, medo ou desamor,
produz novos condimentos,
lágrima, pus e suor
Mas, inverta o segmento,
intensifique a mistura,
temperódio, lagrimento,
sangalho com tristezura,
carnento, venemoinho,
remexa tudo por dentro,
passe tudo no moinho,
moa a carne, sangre o coentro,
chore e envenene a gordura
Você terá um ungüento,
uma baba, grossa e escura,
essência do meu tormento
e molho de uma fritura
de paladar violento
que, engolindo, a criatura
repara o meu sofrimento
co’a morte, lenta e segura

domingo, 7 de dezembro de 2008

Gengibre

Se gengibre fosse animal, seria selvagem, leve e veloz. De personalidade transparente e forte, é refrescante e quente ao mesmo tempo - não é a toa que é uma planta de Áries. Usado como guarnição ou tempero, se bobear vira estrela principal e lidera o prato do qual participa. Não é como o coentro e o pimentão, que em exagero mascaram o sabor dos outros ingredientes. O gengibre em quantidade reforça sua presença e engrandece qualquer receita. Além da caipirinha que mencionei, o que me agrada muito é o purê de batata doce roxa com creme de leite e gengibre ralado. E quem não aprecia o Gari, aquelas lascas adocicadas que pedimos sempre uma porçãozinha a mais nos japoneses? Facílimo de fazer!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Só uma perguntinha

Ando absurdamente incomodada com os programas de gastronomia do GNT. Estão ficando cada vez mais sofisticados. O pecado da gula foi engolido pelo pecado da vaidade. Só se fala em magret, foie gras, lulas baby, mascarpone, pecorino, trufas, endívias, macadâmias, caviar osetra, shitake, lagostas, vieiras e vinho orgânico. Vão me dizer que é porque o público-alvo é classe A e B? Mas gente, vem cá: ninguém come churrasco, lentilhas, feijão, couve-flor, mandioca, pepino, calabresa, grão-de-bico, vagem, frango, escarola, ovo, chuchu, repolho, pimentão ou camarão sete barbas na classe A e B? Esses ingredientes também podem virar pratos sofisticados - Alex Atala não me deixa mentir. Hello, pessoal do GNT, vamos voltar ao planeta Terra! Pasmem, mas uma grande parte de seu público-alvo, que já nasceu com cozinheira contratada, não sabe fazer um molho de tomate simples ou limpar alho-poró. Por que é que vocês estão com pelo menos meia dúzia de programas de culinária na telinha, mesmo? Pela mesma razão que cada vez mais gente procura a mim e a outros chefs a fim de aprender a manusear esses ingredientes básicos. Agora, mais do que nunca, além da cozinha que continua pertencendo às empregadas, todo mundo tem um espaço gourmet extra pra receber e brincar com os amigos nos finais de semana, lembram?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Mocotó pra que te quero

Trabalhei com muitos nordestinos e baianos dentro das cozinhas paulistas e confesso não conhecer profissionais mais talentosos, determinados e unidos em toda a área da gastronomia. No extinto Cirò, onde eu era responsável pela cozinha fria, percebi que todos os domingos pela manhã os cozinheiros se serviam de um preparo de cheiro forte, um caldo grosso e quente. Sabia que era hábito deles, que fazia parte da cultura, mas por causa da correria de praxe, nunca dei muita bola.
Num domingo cheguei quase arrastada, com dor de cabeça, sono, arrependida de ter bebido na noite anterior e de ter ido pra cama bem tarde. Mas lá estava eu: sete e meia batendo o cartão. Quando o Gilmar, do outro lado da cozinha, me ouviu resmungar, prontamente ofereceu:
- Tome um pouco.
- O que é isso?
Perguntei.
- Caldo de mocotó.
- Hã?
- Tome que vai lhe fazer bem.
- Não tenho coragem!
Quando vi no caldeirão aquele angu ferrugem alaranjado olhando pra minha cara, não disfarcei a repulsa.
Num gesto de capricho irônico, Gilmar peneirou o caldo no pratinho de consommè e me serviu delicadamente, como se fosse o próprio garçom. A cena toda era refinada e assombrosa, igualzinho aos planos do Dr. Hannibal Lecter.
Mas que hipocrisia a minha. Se eu como feijoada, salsicha, dobradinha e tudo quanto é porcaria por aí, por que tanta resistência? Tudo o que eu precisava naquela hora da manhã era uma sopa substanciosa e quente para me dar ânimo e, ainda por cima, o aroma temperado que dominava o ar também aguçava minhas papilas gustativas. Passei a mão na porcelana branca e fui provando, gole por gole. Nunca vi nada igual. Mocotó é o Biotônico Fontoura do sertão? É o espinafre do Popeye? Alguns minutos depois eu me sentia como o bonequinho dos pneus Michellin. Na hora eu entendi: os cozinheiros enchiam a cara nos finais de semana e passavam a madrugada dançando forró. Nas manhãs agitadas de domingo, pra encarar o grande movimento do restaurante, precisavam de um verdadeiro tratamento de choque.