DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Segunda-feira

O dia acorda na fazenda com o canto pontual de um galo impiedoso. Quebra pesadelos e sonhos e traz os dorminhocos para seus lugares reais: o quente macio da cama.
Lá fora o orvalho vitrifica o verde do pasto, o espelho do sol, que se observa com um olho, o outro ainda desperta.
Na cozinha, porém, não há espaço para a preguiça. Facões explodem abóboras e cocos. E os jatobás esperam por sua vez. Tudo vai virar doce. Quem disse que existe doce de jatobá? A Dinda tem receita.
O aroma do café rodeia, as borbulhas do feijão estouram sem alarde – Dinda não põe feijão de molho, cozinha bem lentamente – o pão assado pede o gosto da manteiga, que ainda ontem, era leite morno e tirado agorinha mesmo.
Faz três, cinco, sete coisas ao mesmo tempo. Tece o cardápio do dia e pensa nos preparos de amanhã.
Acorda inspirada, como todo dia, pois há tempos não fazia uma receita. Enquanto os da casa se sentam à mesa, Dinda mistura a salmoura com vinagre de tinto, alho e louro. E deita um lombo na travessa.
Serve o queijo e a geléia. Manda suco de lima-da-pérsia, fresquinho. Rala o côco, corta a abóbora, enche o tacho. Fala com ela mesma e com quem mais ouvir:
- Êta, que isso aqui vai ficar bom!
Tudo encaminhado: o feijão que cozinha, o doce que apura e o lombo que se banha no molho. É cedo, mas a manhã voa. Visita a horta, colhe salsa, cebolinha, alface e couve.
Afia as facas e o aroma da cozinha agora muda: o vinagre de tinto se casa com a alma do cravo que sobe do fogo. Nem o frio dos azulejos, um azul colonial, inibe a mescla de cheiros. O doce carameliza e toma forma de uma pasta fibrosa.
- Que é isso, menino? Não tem lição hoje?
Agora o forno esquenta. O lombo se prateia de alumínio, embalado pelas mãos de Dinda:
- Te vejo daqui a pouco!
Enxágua as folhas e descansa uma por uma no escorredor. Folheia os livros, consulta idéias e acha um pouco mais de inspiração.

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