DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Esfiha, a gente começa a comer pelo cheiro

Esfiha me faz lembrar duas coisas: o péssimo atendimento do Habib’s e meu avô Albino. Depois de uma cirurgia delicada, alguém levou um embrulho com esfihas quentinhas porque o parente que o acompanhava no quarto se recusou almoçar a comida do hospital. Num momento de distração da parte dos familiares, ele esticou o braço e conseguiu apanhar uma das esfihas, mas antes mesmo de prová-la, levou bronca da tia nervosa, que imediatamente o barrou:
- Pai, o senhor enlouqueceu? Isso não vai lhe fazer bem!
Que judiação. Pior do que tirar doce de boca de criança é tirar uma esfiha morninha da boca de um velhinho acamado.
Esfiha é como pastel de feira. A gente começa a comer “pelo cheiro” e não pelos olhos, como diz o ditado popular do mundo da cozinha.
Em casamentos, as esfihinhas perdem feio para as bolinhas de queijo e outras friturinhas, pois, quem é que gosta de comer 3 cm de massa e um quase nada de carne moída perdida no meio?
E olha que fazer uma boa esfiha não é pra qualquer um. Uma colega de trabalho, chef de cozinha de ascendência libanesa confessou: “nas minhas aulas ensino tudo sobre comida árabe, menos os segredinhos de família...”

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Produto congelado é a Raspadinha da cozinha

Sabe aquela Raspadinha da Loteria Federal que você sempre compra apostando com fé e não ganha nada? Não é a mesma coisa com peixes e frutos do mar congelados? Como saber que o cheiro de estragado ou de amoníaco não se esconde debaixo do gelo? Comprando e descongelando, claro. Então você deve experimentar várias marcas até acertar uma de confiança.
Nem vou gastar meus dedos descrevendo sobre raiva, perda de tempo e constrangimento que passamos por uma escolha errada assim. Você vai ao supermercado e o freezer está repleto de pescados em embalagens das mais atraentes e com preços para todas as vontades.
Acontece que algumas empresas congelam esses pescados imediatamente após a saída deles do mar. Nada mais justo. Ao abrir a embalagem, o cheiro familiar da maresia já indica que ali tem um congelado fresco.
E outras empresas, ao contrário disso, devem comprar a preço de banana os pescados que não foram vendidos em uma semana lá no Ceasa ou lá não sei onde, depois congelam, embalam bem bonitinho e vendem para nós.
E quando feirantes misturam camarão bom e camarão velho debaixo do seu nariz, sem que você perceba? Já aconteceu de chegar em casa e sentir a diferença de consistência e cheiro de um por um? Na beiradinha da banca, onde você tem acesso para examiná-los, estão lindos e viris. Pode ter certeza de que os camarões que ficam na outra beirada, quase encostados na barriga do feirante, estão mais velhos do que aqueles que você apalpou.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Peixe, só se for todo dia

Eu poderia comer peixe assado com uma saladinha leve todos os dias. Mas isso é coisa de gente disciplinada e esse não é o meu caso. Tenho dois fornecedores excelentes. O Maeda, que encontro nas feiras e trabalha com peixes fresquíssimos, e o Dom Alvarez, que vende só congelados. No próximo post falarei sobre os congelados.
Na minha opinião, de acordo com meu paladar, peixes não tem segredo algum. Aliás, tem sim! Primeiro, devem ser temperados com o mínimo de coisas possíveis, como limão, sal, e se quiser mais, pimenta-do-reino moída na hora. Em segundo lugar, depois de prontos devem estar úmidos por dentro, independente do modo de preparo. Até gosto dos molhos típicos: ervas, maracujá, tomate, alcaparras, amêndoas ou curry, mas nada como sentir o sabor do peixe, ou melhor, o sabor exato de cada peixe. Prefiro então não mascará-los.
Os peixes mais incríveis e inesquecíveis que comi foram muito simples: uma anchova assada em Angra dos Reis, uma Piapara grelhada na conhecida Rua do Porto em Piracicaba, um salmão na brasa numa fazenda em Campinas, pacuzinhos fritos da Represa de Água Vermelha, em São João do Marinheiro. Porém, garanto que não foi nenhum desses lugares tão prazerosos que fiz questão de mencionar, que deram aos peixes resultados fantásticos. Foi a qualidade de cada um, o ponto de cocção, a mão de quem os salgou e o indispensável limãozinho.
E os espinhos? Tire-os sem preguiça e paciência!
Os filés pequenos, como pescada, San Peter ou linguado, cozinham em 10 ou 15 minutos no forno pré-aquecido, faça o teste. No fundo da assadeira pode ter azeite, manteiga, um pouco de vinho branco (um pouco dos três misturados) ou uma cama de pão amanhecido. E se você acha que no forno o peixe fica pronto quando estiver douradinho, pode esperar um filé ressecado e sem sabor.
Tem gente que não gosta de peixe de água doce porque acha que tem gosto de fundo de rio, de lama, de terra. E qual é o problema nisso? Sabores existem para serem explorados. Meta um limão-cravo nesse peixe! Faça um purê de banana-da-terra, um arroz bem forte de alho-poró, um refogadinho de guariroba! Deguste!
E os frutos do mar, então? Ah, isso é papo para outro texto.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Cappelletti no brodo: tradição de família

Muito me agradou ontem ler o texto de Nina Horta na Folha, o depoimento de uma leitora e a receita do cappelletti da família de origem italiana. O que me encanta na gastronomia de cultura são justamente as preferências ou as pequenas diferenças de um prato, que variam de família pra família, de região pra região. Na receita da leitora, o recheio é feito com os miúdos do frango, fervidos no brodo com cebola, bacon, cheiro verde e alecrim. Na receita de minha mãe e sua irmã gêmea, que aprenderam com minha nonna, e por sua vez aprendeu com sua nonna, somente parte do recheio se identifica com o do texto: lombo de porco refogado e salame italiano moídos substituem os miúdos, porém, leva a mesma finalização com farinha de rosca, parmesão e coentro. A tradição de reunir a família, fazer o brodo de frango, sovar e abrir a massa, rechear os quadradinhos e enrolá-los um a um feito chapeuzinhos acontece no Natal e algumas vezes na Páscoa. Pena não possuirmos um terreiro próprio para criar as galinhas e os porcos, o ritual seria um pouco mais longo, com o mesmo prazer.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Quando a política chega na cozinha

Escuta, todo mundo agora resolveu falar dos problemas do Quênia? Não que o novo Presidente e seus ancestrais não mereçam tal consideração, muito pelo contrário. Mas acabaram de descobrir o melhor caminho para a paz mundial, tão desejada pelas Misses Universo: eleger os políticos importantes e oriundos dos lugares desgraçados e miseráveis do planeta. Só assim a gente começa a tirar as teias de aranha da casa e botar a água do cafezinho pra ferver.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Ainda existe codeguim?

Codeguim é a palavra popular para cotechino (lê-se cotequino), uma lingüiça gelatinosa feita com a pele do porco e sua carne, depois cozida e cortada em rodelas. Os imigrantes italianos trouxeram a receita na bagagem. Quando era pequena lembro-me que qualquer açougue de São Paulo aceitava encomendas de codeguim. Hoje está tão desaparecido de nossas mesas como o camarãozinho com chuchu. No norte da Itália, cotechino é apreciado com um bom pratão de lentilhas ensopadas.
Mas quem hoje tem a paciência e a destreza de preparar uma lingüiça mais elaborada e artesanal? Ninguém. Ontem mesmo estive pensando numas frases, típicas de quem se aproxima dos quarenta. Acho que a vida foi muito breve. E que o tempo passou muito rápido, porém, cumpriu sua tarefa de maneira justa, eu é que não havia tornado os minutos eternos. Com isso cheguei à conclusão de que encher lingüiça pode ser uma das coisas que fazem dos minutos uma eternidade. Quem sabe?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Banquete de palavras

“...a experiência do mistério não nasce da expectativa dele, mas da renúncia a todos os programas que você mantém, porque seus programas se baseiam no medo e no desejo. Largue-os e o brilho surgirá.” Joseph Campbell

Alguns seres iluminados que passaram por este planeta tem o dom de nos fornecer o oxigênio, o caminho, a verdade e a vida. Joseph Campbell é um deles. Um desmistificador de pensamentos limitados - conseqüência de traduções literais das historinhas religiosas enraizadas em nossa cultura. Entender Campbell é como tirar espinhos da garganta. Estou lendo ISTO ÉS TU e já quero todos os outros livros dele para devorar com azeite da melhor qualidade, zaatar e pão italiano do Empório Santa Luzia. Pode ser o que chamo de loucura branca, mas é aqui que vou me jogar em 2009.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

domingo, 11 de janeiro de 2009

Qual a programação em plena TPM?

Segundo uma amiga, a vida está ficando extremamente chata. A TPM para nós, filhas de Eva, já é chata e incômoda o bastante. Ainda por cima você não pode fumar, não pode beber e não pode passar dos 60Km por hora. Daqui a pouco vão proibir outras coisas também, não bastasse o discurso moral das igrejas protestantes-cristãs.
O que fazer numa sexta-feira, dez e meia da noite, quando você já comeu e bebeu de montão para se satisfazer? Sair de casa para qual destino? Os amigos todos estão sumidos nesse início de ano que ainda não pegou no tranco. No cinema, nenhum filme que apeteça. Nas portas dos barzinhos de moda, filas rodeiam os quarteirões de menininhas aloiradas e garotões bronzeados e marombados. Estou ficando velha. Prefiro ouvir um discurso de Fidel Castro no estilo parnasiano a esperar por um canto num local assim e em tal situação. Tati, a apaixonante companheira que divide as alegrias da vida e as contas da casa, sugeriu: uma sobremesa? Que perfeição! Ótimo. Não poderia vir numa hora melhor. Procurar um lugar receptivo e honesto para encher a boca de marshmallow, calda de chocolate, açúcar caramelizado crocante, sorvetes de framboesa ou pistache, mousses fofas e tortas macias de limão.
E foi revigorante. Depois dessa, a noite poderia começar novamente.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Facilidades de bandeja

É sempre bom ter um cuidado redobrado com legumes descascados, cortados e embalados, oferecidos pelos supermercados para facilitar sua vida. Geralmente aquela cenoura em cubinhos está ressecada demais, talvez porque não deva ser vendida sem casca, talvez porque tenha demorado para ser vendida. E quem garante que aquela mandioquinha raladinha não estava esquecida, já com as cascas feias e pretejadas lá no fundo do caixote? O mesmo ocorre com frango temperado. Partes maiores cortadas ou em forma de espetinhos, cheios de alho, salsinha e colorau, não raras vezes revelaram o forte odor que carregavam na embalagem a vácuo. Mesmo que a data de validade esteja dentro do prazo, o tempero pode prorrogar o tempo de consumo. Não vale a pena levar tanta vantagem pra casa, pelo menos na maioria dos casos.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Entrevista com o chef

Assisti a entrevista de Ferran Adrià no Roda Viva de ontem. Olha, ou eu estou definitivamente por fora da linguagem do mundo da gastronomia, ou o portunhol dos tradutores e intérpretes estava desconectado. Não peguei o programa desde o comecinho, mas o que consegui compreender foi apenas 20% de perguntas e respostas de fato bastante concretas. O resto do bate-papo se resumiu em abstrato de abstrato. O que me consolou foi ver que a Lilian Wite Fibe quase surtou no final da entrevista, quando fez duas perguntinhas simples, e o espanhol insistia em florear os seus delírios gastronômicos.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Anorexia é a Loucura de salto, bem vestida e maquiada

Sou suspeitíssima de tocar nesse assunto. Logo eu, que vivo às custas dos prazeres da mesa.
Os velhos pecados perderam a força e ganharam embalagem nova? O diabo reformulou as estratégias da tentação? Prefiro deixá-lo de fora quando se trata de escolhas pessoais. Ou quando vejo uma sociedade inteira formada por seres humanos aparentemente normais promover e ditar um conceito fútil e sem nexo, como fazem com os padrões de beleza de hoje em dia. O diabo pode aplaudir quando assiste a um desfile de óbitos por anorexia, mas garanto que ele não fez esforço algum, se considerarmos somente a publicação diária das capas de revistas que encontramos por aí. O mérito de qualquer trabalho dessa natureza é todo nosso.
Em Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam (1469-1536), quando entra no assunto da conquista através de padrões de beleza, revela que esse comportamento de fato nunca mudou:
“Aliás, tem elas outro desejo na vida senão o de agradar os homens? (...) Pois bem, não é pela loucura que elas podem atingir esse objetivo tão desejado?”
Parece que isso acontece automaticamente desde que Eva passou a ter concorrentes. Mas tudo tem limite. Anorexia é a loucura e a consequência de seguir um padrão imposto. Quem inventou a loucura? A mim pouco importa saber. Mas quem a escolhe? Eu e você.
Veja abaixo os links sobre o assunto. E caso você esteja por fora do que acontece no universo dessas adolescentes que tem uma escala de valores equivocada, porém nutrida por nós, traduzo de antemão as palavras ANNA, MIA e NF: anorexia, bulimia e no food, respectivamente.

http://anamia2007.blogspot.com/