DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

domingo, 31 de janeiro de 2010

Salada de banalidades

As frutas, as mais simples, são lembradas apenas nas páginas que pregam saúde. Seu consumo é uma ordem. Sua função, de nutrir, não vai além da obrigação. E obrigação é chatice.
Na gastronomia, laranja ganhava destaque quando era coadjuvante de pato. Mamão, quando levava banho de licor de cassis. Maçã, em tortas francesas do avesso. E banana hoje só se virar espuma.
Temos fartura dessas frutas. Temos xepa nas feiras. Temos coisas demais estragando e o tema não combina com capa de revista chique.
Imagine se a acidez crocante da maçã fosse rara ou encontrada em determinado país, apenas em uma época do ano. Imagine se o prazer do doce da banana fosse para poucos endinheirados. E se a carne suculenta do mamão estivesse presente apenas em mesas nobres? Uma salada destas frutas banhadas com suco geladinho de laranja faria parte do Jantar do Século?
O que é comum à mente e banal ao paladar, infelizmente não satisfaz tanto assim.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Reflexões de peso

Jeffrey Steingarten, o homem que comeu de tudo, desafia os leitores no livro de sua autoria Deve ter sido alguma coisa que eu comi, a refletir sobre nossos hábitos alimentares culturais. Afirma, usando como exemplo o crescimento de consumo de peixe cru na América do Norte (e por aqui também, não?), que com isso superamos totalmente nossa aversão inata a certos alimentos, e de como aprendemos a apreciá-los, seja por pressão social ou por uma verdadeira abertura e evolução como seres humanos. Confessa, ironicamente, que é merecedor dos créditos pela campanha incansável que faz a favor da confrontação, e se possível, da humilhação das pessoas que se escondem atrás de falsas alergias, intolerâncias inventadas, absurdos a respeito de nutrição e gosto provinciano.
Parte de nossos preconceitos fica por conta dos medos que nos colocam relacionados à comida. No mundo todo existem povos que apreciam ratos diariamente. Outros, insetos. O que faz com que nos alimentemos disso ou daquilo? Cultura, obviamente. E morre-se menos de problemas alimentares do que imaginamos.
Jeffrey pergunta logo na introdução do livro:
De que tipo você é? Faça um teste simples. Leia as duas afirmações que seguem e escolha qual delas, com toda a honestidade, é mais provável que você diga:
1. Estou me sentindo péssimo hoje, minha pele está cheia de caroços, e mal consigo enxergar. Deve ter sido alguma coisa que eu comi.
2. Estou me sentindo leve como uma pluma hoje, meu pensamento está claro como água e tenho vontade de sorrir para o mundo! Deve ter sido alguma coisa que eu comi!
Gosto de uma frase simples, usada pelo Dr. Orestes Cavicchiolli e aproveito para encaixá-la no tema do autor. Embora seja ortopedista, entende muito de vinhos, da boa mesa e seus benefícios:
- Gente contente não fica doente.
Quase fiz uma salada aqui, pipocando temas como hábitos alimentares culturais, preconceito e estado de espírito. Mas creio que sejam coisas sutilmente relacionadas. Boa leitura.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

El día que me quieras

Orlando, um velho lobo do mar, servia-se de ceviche, enchendo a boca dos pedaços de uma pescada fresca curtida no limão. Sentia também o gosto inconfundível do coentro e da acidez da cebola roxa enquanto mastigava. Depois de engolir cada garfada pausava a boca por um instante e deixava o sabor da pimenta vermelha fazer as vezes em seu paladar.
O preparo do jantar era interrompido somente para virar os discos de Carlos Gardel e lembrar-se com nostalgia de Salviano Lisboa e sua Lucinha.
Na panela de barro, uma caldeirada de frutos do mar ia apurando em fogo baixo, até que ele terminasse o primeiro prato.
Essa caldeirada tem uma história.
Quando conheceu Lúcia, seu grande e perdido amor, escolhia camarões e mariscos no mercado de peixes perto de sua casa. A mulher aproximou-se com olhar curioso, dizendo que nunca havia provado frutos do mar. Ela, recém-chegada do interior. Ele, um bêbado convicto. O homem falou, ainda sóbrio àquela hora do dia, com propriedade, sobre cada crustáceo, seus sabores, o modo de limpar e ainda descreveu a receita predileta, a caldeirada da mãe:
- Você prepara um bom caldo com as cascas dos camarões, as espinhas dos peixes brancos, pedaços de cenoura e algumas folhas de alho-poró. Enquanto tudo isso cozinha, uma outra panela vai sendo preparada com cebola e alho, um azeite bom para a fritura, um pouco de molho de tomate e os frutos do mar refogadinhos. Acrescenta um cálice de vinho branco, deixa evaporar e finalmente mistura o caldo coado para terminar o cozimento.
Apaixonaram-se. Trocaram telefone e marcaram encontro num restaurante à beira-mar. Por causa de um contratempo, Lúcia acabou atrasando uma hora e meia do horário combinado. Como algumas semanas se passaram até que acontecesse este segundo encontro, a moça mudou o visual, cortou os cabelos, tingiu-os de outra cor e deu uma repaginada em seu estilo pessoal, o que fazem as pessoas felizes motivadas por um grande amor. Tudo estava perfeito até ali.
Ao entrar no resturante, viu Orlando no balcão, virando mais um copo de alguma bebida gelada, tentando se equilibrar no peso do próprio corpo. Ao lado, um sanfoneiro tocava El día que me quieras, acompanhado pela voz esganiçada e torta de Orlando. Lúcia se aproximou, lenta e receosa, ainda questionando se era aquele o homem que havia conhecido no mercado de peixes.
Ele não a reconheceu. Olhou-a fixamente, de olhos semicerrados, levantou o copo e disse para o restaurante inteiro ouvir:
- Assim declarou Tom Jobim: cada copo que bebo é uma mulher que não tive. Ou foi o Vinícius?
E caiu duro para trás, esqueceu-se das pernas.
A mulher, com muita calma, virou-se para o garçon que apressadamente vinha acudir o cliente e mandou o recado:
- Diga para esse cavalheiro, quando ele acordar, que cada bêbado que sai do meu caminho é um idiota a menos pra aturar.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Cultura é cultura

O humorista Bruno Motta definiu comida japonesa numa de suas piadas:

É claro que eles comem peixe cru. Trabalham tanto que não têm tempo de cozinhar. E aqueles pauzinhos que usavam antigamente para fazer o fogo, virou garfo!

E sobre a comida francesa:

Estava jantando num restaurante francês e chamei o garçon pra reclamar que o prato que me trouxeram estava úmido. Com sua grosseria nata, respondeu:
- Não está úmido, nada! É sua sopa.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Reflexões para solteiros

Comentários dos maldosos:

Toda panela tem sua tampa. E se você for uma cumbuca?

Você cozinha só para você?

É duro não ter ninguém pra lavar a louça, né?

O que você fez no dia dos namorados?

Quem sabe este ano você não encontra a outra metade da laranja?

Engula de uma vez esses sete grãos de romã pra dar sorte no amor!

Vou fazer um jantar e chamar um amigo solteirão, quer vir?

Quem não dança segura o pratinho dos outros.

Mas você está pensando em beber esse vinho com quem?

domingo, 17 de janeiro de 2010

MAIDO ARIGATÔ GOSAIMASU

Quero deixar registrada aqui a dica de um restaurante japonês bem japonês, o Tanuki. O local é despretensioso, mas de arrematar a alma para fora do corpo. Sempre avalio a qualidade de um japa a partir dos sashimis, em segundo pelos molhos e temperos que complementam os pratos. E o Tanuki me conquistou.
Sashimi de peixe prego sempre foi difícil de engolir, pela sua consistência pesada, densa, como uma esponja de poros fechados. Se não estiver extremamente fresco, ele cresce na boca, causando um certo mal estar. Mas a fatia de prego do Tanuki derreteu como uma manteiga gelada dos mares, e o sabor cremoso - como o salmão, o pargo, o buri e o arenque da Noruega - ficou marcado em minha memória até hoje. Fico salivando só de lembrar. Só que da próxima vez sentarei no balcão.

TANUKI
Rua Jericó, 287
Vila Madalena
São Paulo / SP

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Venha comer conosco

Conta um amigo que quando era adolescente, namorava uma menina japonesa muito tímida. Um dia ele a levou numa festa da família, daquelas típicas barulhentas italianas. Na cozinha, as tias preparavam antepastos, saladas, assados e massas recheadas. Na hora da comida, o pai do namorado, todo solícito, pegou um prato e a chamou para junto da mesa:
- Vem comer conosco! Fale o que você quer que eu mesmo te sirvo.
E ela, toda envergonhada, pediu:
- Só queria experimentar um “conosquinho”...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O prato preferido

E que venha 2.010, porque nós continuaremos com muita fome! As festas de final de ano são muito parecidas. Não nos rituais e comportamentos que diferem Natal de Ano Novo, mas na mesa posta para as celebrações.
Entre molhos, carnes assadas, maioneses, salpicões, ensopados, farofas doces ou salgadas, frutas frescas e secas, castanhas diversas e irresistíveis sobremesas, sempre tem aquele prato que nos pega de jeito e, de colherada em colherada, nos empanturramos até não caber mais: a lentilha bem temperada, a torta de funghi, a pururuca da leitoa, a mousse de salmão, o capeletti artesanal e o pudim de mascarpone. Se somos os convidados da festa, ao final das refeições estaremos anotando a receita e nos servindo definitivamente, pela última vez, de mais um pedacinho.
Sem exagerar, é possível que mais de um prato seja eleito como preferido. Aí nos entregamos ao sistema de rodízio. Um pouquinho de cada coisa, de dez em dez minutos.
Sem culpas ou desculpas. Afinal de contas, isso acontece uma vez por ano. Ou duas?