DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quinta-feira, 31 de julho de 2008

"Que porra é essa???"

Perdoe-me, caro leitor blogueiro, se pareço mal-criada. Geralmente costumo ser mais sutil com a linguagem, mas como no Orkut existe uma comunidade com esse nome, achei muito apropriado usá-lo como título para postar o link abaixo.

sábado, 26 de julho de 2008

Etiqueta & Ignorância


“por rebuscados que sejam os bons pratos e suntuosos os acessórios, não há prazer da mesa se: o vinho é ruim, os convivas juntados sem escolhê-los, as fisionomias tristes, a refeição consumida às pressas” Brillat-Savarin (1.825)

Participei de um banquete feito especialmente para o advogado de um dos empresários mais bem sucedidos de nosso país. O serviço, impecável. No menu, sopa de mexilhão, tartare de salmão com temperos asiáticos e risoto de camarão com shimeji. Garçons atentos e uma sommelier à disposição, que apresentava os vinhos que acompanhavam os pratos. Depois disso, uma variedade de doces desfilaram sobre a mesa. Ao final, café e petit four como mimos para fechar o jantar com chave de ouro.
No dia seguinte a anfitriã não recebeu flores. Mas ganhou uma exortação, a de que não havia colocado talher para peixes na mesa, “como pede a etiqueta!...”Eu não sei se pergunto à Glorinha Khalil ou à Danusa Leão onde é que a anfitriã errou de fato, mas tenho certeza, caro leitor blogueiro, de que a resposta está na ponta da sua língua.
Sempre que vejo histórias desse tipo me lembro do samba da Beth Carvalho: “Ô coisinha tão bonitinha do pai, ô coisinha tão bonitinha do pai. Você vale ouro, todo o meu tesouro...”


Foto: Regina Bui

Entre amigos

Tem coisa melhor do que um amendoinzim, um queijim, uma azeitonim, uns croquetins, uma cervejim e uma caipirim pra comemorar reforma de apartamento? Parabéns Carolzim e Paulim, pelo novo espaço! E pra mim, que estava longe da cozinha, foi um ótimo relax.

domingo, 20 de julho de 2008

Por onde andará o Zoom?

Se me perguntarem o nome verdadeiro desse nordestino porreta não saberei dizer. Só sei que ele era muito bravo. Fulminava com o olhar a qualquer um que o atrapalhasse na cozinha, apesar da aparência fragilizada. Zoom trazia alguma coisa de revolta dentro de si, talvez pela história de vida sofrida, mas com dignidade agarrou com unhas e dentes as oportunidades que lhe surgiram na carreira de cozinheiro. Unhas muito bem cuidadas se bem me lembro, e os dentes, afiadíssimos - iguais aos palavrões que soltava. Era dono, porém, de um coração imenso e de uma sensibilidade ultra feminina. Por isso alguns o odiavam e outros nem tanto. Mas Zoom era muito calejado para sentir ou se deixar abater por qualquer manifestação de preconceito. Dizia estar cansado da cozinha e sonhava mesmo em fazer um curso de cabeleireiro. Quando o conheci, era ele o responsável pelo preparo da comida dos funcionários, garçons e ajudantes de cozinha. Pontualmente às onze da manhã, antes do restaurante abrir, ele avisava ao primeiro que passasse: “A comida tá pronta. Chama a cadelada!!!”

Escargot, que hipocrisia!

Os apreciadores das lesminhas, na verdade, gostam é dos molhos que as acompanham. E daqueles graciosos pratinhos com cavidades para aninhá-las. Ervas ou alho na manteiga promovem e enaltecem até carne de gato, quando substitui lebre. É possível comer ostras sem o sal e o limão. Já as lesminhas... Tentem apreciá-las sem molho algum, tentem. Depois me digam se acharam chique.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Esse coqueiro que dá côco


A redundância é parente próxima do óbvio ululante. Frases-chavão de auto-ajuda também se encaixam nessa categoria e merecem o rótulo. A filosofia barata entrou na minha vida através das balinhas Gotas de Pinho Alabarda, quem se lembra? A embalagem verde carregava lembretes que ditavam conselhos amorosos. Agora o Orkut virou um realejo eletrônico e traz diariamente sabedoria virtual gratuita, como a da semana passada: “O melhor profeta do futuro é o passado...”

Então, facciammo cosi un’insalatta di parole povere per mangiare com la fede.


Foto: Regina Bui

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ao mestre com carinho

no chão frio
congelo meus pés
trituro as frutas
converto o pó
derreto o queijo
retalho o pão
amolo o fio
amasso o alho
abafo o grão
e salgo a carne
e azeito as folhas
e mais três quilos de corações limpos
acendo o breu
misturo a sopa
tempero o caldo
esmago a dor
repito a dose
e corto o gelo
adoço a água
e compro um beijo
retiro a mesa
e rezo o amor

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Thanksgiving

Como é que ninguém decretou ainda o dia de ação de graças brasileiro, já que temos tantos motivos interessantes para isso? Feriado nacional, aquecimento no comércio, comilança, ibope nas igrejas, assunto na TV, samba...
Temos o Dia da Pizza, que não é tão famoso assim, mas acho uma ótima maneira de lembrar a influência da imigração italiana (e dos nossos governantes) na nossa cultura. Foi servida uma pizza gigante em São Paulo esta semana, cujo diâmetro chegava a 2 metros, assada num forno construído especialmente para a data.
Será que nenhum historiador sabe do registro do primeiro náufrago, traficante ou degredado que serviu a primeira porçãozinha de mandioca frita com tiquira*, após o primeiro saque da colheita de alguma tribo indígena vizinha? Ora pois!
*Tiquira: aguardente de mandioca.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Apetite sexual


Se alguém, obscura e secretamente, em seu mais profundo íntimo questiona se congela ou degusta sem dor os prazeres da carne, que devore Eunucos pelo Reino de Deus. Salve Uta Ranke-Heinemann!


Foto: Regina Bui

Cozinheiro

Dai, Senhor, o mais fino paladar
A quem tem por missão alimentar.
Drummond – Poesia Errante

De médico, cozinheiro e louco todo mundo tem um pouco

Alimentos são de primeira, já disse em textos anteriores. Só esqueci de completar que são sagrados. Ignoramos suas propriedades curativas e deixamos de fazer o uso com esta intenção graças à lucrativa indústria farmacêutica.
Em 1948, escrevendo sobre o tema, o Dr. Alberto Seabra declarou estranha e profeticamente: “Confiemos que assim será o futuro e desconfiemos que do conhecimento mais perfeito e exato das coisas que nos cercam resultará um perigo muito grave para as farmácias e drogarias, na concorrência leal e sábia que lhes farão as vindouras casas de frutas, hoje tão modestas. Elas crescerão, estendendo-se por toda urbe paulopolitana, enquanto aquelas ir-se-ão, de mais em mais, reduzindo, até ficarem com o aspecto de ruínas, atestado arcaico das velhas superstições e crenças humanas”.
O discurso de que alimentação natural previne diversos tipos de doenças todo mundo conhece, mas prefere tomar um remedinho para soltar o intestino preso a comer maçãs ou mamão.
Depois que passei a ser menos hipocondríaca fiquei mais leve e mais feliz. Sou quase adepta da frase de Rita Lee: “quanto mais natureba, mais bacaneba”. Quase, porque estou longe de me tornar vegetariana, coisa que a pop star assume há anos. A questão aqui não é sobre isso, mas sobre se empanturrar de remédios ao invés de optar pela alimentação saudável (assim como a busca de tratamentos alternativos).
Tenho guardado na prateleira um dos meus livros prediletos de consulta, que relaciona quase todos os tipos de frutas, verduras, legumes e ervas medicinais com suas propriedades e aplicações – de dor de garganta à alergia da pele: A Saúde Brota da Natureza, do prof. Jaime Bruning. Só dispenso a urinoterapia, que isso é para os mais corajosos ou loucos.

Desconhecidos

(Longe da cozinha, ainda no divã).
A noite começava calma e sem brisa nenhuma. Nas lojas, pouco movimento. Sentei por um instante num banco do piso inferior daquele shopping aberto, ainda incomodada com as velhas questões de valores e conceitos que não desistiam de mim, não me deixavam relaxar. Observando as pessoas que passeavam, perguntava-me se realmente estava tudo bem, ou se secretamente não carregavam também aqueles tijolos quebrados, sobras de material de construçõezinhas medíocres que fazemos ao longo da vida, e que não podemos devolver a lugar nenhum – uma vez encomendados e não aproveitados, viram entulho psicológico. Sucatas emocionais. Iguais a esses modelos-padrão para viver que a maioria acredita, caso contrário não encontram um lugar ao sol. Consumismo, comportamento, moda, moradia bacana de acordo com as últimas tendências... Comigo não estava nada bem. O ser humano anda bem?
Peguei o carro tentando deixar o incômodo de lado. Não consegui. Mesmo assim seguia pro meu destino a 40 por hora e com o olhar desfocado das coisas - totalmente contrário do que deveria ser na frente da direção.Vários veículos ultrapassaram pela esquerda. Carros importados, carros velhos, ônibus, vans e motos. Alguns buzinaram pela minha lentidão. A pressa da rotina lhes pressionavam. Os faróis iluminaram um puxador de carroça que vinha pelo acostamento no sentido contrário e carregava uma criança sobre um grande saco amarrado de lixo reciclável. Aquela avenida larga dava acesso a várias entradas de condomínios de casas. Um ponto de ônibus do outro lado da pista abrigava algumas domésticas que voltavam para seus lares. No canteiro central a escultura feita de arame de um imenso cavalo.
Em alguns segundos tudo o que já estava desfocado acabou sumindo de vez. A realidade ao meu redor mudou. A matéria ficou invisível. Não havia ferro, concreto, tijolos. Não havia asfalto, postes, árvores, plásticos ou fios. O ponto de ônibus não estava lá, nem tampouco os muros dos condomínios. O que passou a se tornar nítido eram as formas humanas daquele lugar, estivessem elas onde quer que seja, e nada mais que pudesse escondê-las. Agora elas apareciam aos montes, atrás das supostas paredes das casas, nos bancos dos veículos que passavam, nos quarteirões próximos, até onde a vista se perdia. Também não havia rostos, roupas, anéis, sapatos. Nada que identificasse as pessoas. Apenas as formas, umas brancas, outras cinzas, vermelhas ou azuis. A cena lembrava uma atmosfera espiritual. Eram os mesmos corpos da cena de alguns segundos atrás, fazendo os mesmos movimentos, só que agora coloridos, leitosos, como espectros, como ectoplasmas, sólidos, nada ao redor os escondiam. Não havia o chão, apenas o infinito céu escuro acima de suas cabeças, de minha cabeça.
Tive que parar o carro subitamente e jogá-lo para fora do trajeto, não sabia mais o limite de distância do veículo que ia adiante de mim. Observava boquiaberta esses desconhecidos. Deduzi que se voltasse focar a matéria tudo voltaria ao normal, mas não fiz esforço para isso. Minha curiosidade, acompanhada de tamanho assombro, fazia com que eu me concentrasse ainda mais naquelas silhuetas coloridas.
Embora não enxergasse a matéria podia sentir o banco do carro, a direção e a porta ao meu lado fechada. Tudo continuava em ordem, também não houve alteração no ritmo das pessoas. “Meu Deus.” Respirei fundo. “O que é isso?” Fechei os olhos. “Não banco essa loucura.” Não estava num sonho. Alguns segundos com os olhos fechados me questionei o que fazia com que as pessoas tivessem essas diferenças de cor, que já nem sabia se eram internas ou externas. Tive certeza de que não se tratava absolutamente de diferença social. Inteligência? Saúde? A saúde do corpo é conseqüência da saúde emocional. Ou espiritual? Ou as cores definiam um conjunto de causas? Branco. Cinza. Vermelho. Azul. Pessoas de cores diferentes, lado a lado. Desconhecidos sem saber. As cores não indicavam que faziam parte de uma mesma família ou de um grupo de trabalhadores a espera do ônibus. Não havia nada que os caracterizasse como pessoas pobres ou ricas, feias ou bonitas, baixas, magras. Nenhum padrão que indicasse alguma classificação ou rótulo (para um julgamento). As cores das pessoas trariam então outros critérios para um julgamento se soubesse de seus significados? Ainda assim, julgamento (por isso não me importo em saber).
Abri os olhos e voltei a notar a matéria ao meu redor. As pessoas como antes. O som dos veículos, da ambulância que passava, da voz da criança sobre a carroça, que agora pedia alguma coisa pro pai. Esforcei-me para tentar focar novamente as cores dos que estavam ao meu alcance. Ainda mescladas à pele, sumiram lentamente.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Na alegria e a na tristeza, na saúde e na doença...


O nono foi hospitalizado e os filhos, netos e bisnetos vieram visitá-lo. Os médicos deixaram que os parentes o levassem para assim cumprir seu último desejo: o de morrer em casa, ao lado de seus queridos.
No quarto as visitas iam se revezando quando de repente o nono sentiu um aroma maravilhoso que vinha da cozinha. É que a nona estava tirando do forno assadeiras de pastieri di formaggio italiano.Os olhos do nono brilharam e ele mais que depressa se reanimou e pediu ao bisneto que estava ao lado da cama:
- “Piccolo mio, vai na cucina e pede um pezzo de pastiere pra nona!”O bambino foi e voltou muito rápido.
- “E o pastiere?” - perguntou o nono.- “A nona disse que no!”
- “Ma per che no, porca miséria?”
- “A nona disse... que os pastieri... é pro velório!”



Foto: Regina Bui