DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Berinjela ao forno - receita proseada

Quadradinhos de berinjela, murchos, assados no forno baixo por uma hora e quase lá.
Nada de sal, nada de azeite, nada de acompanhamento - por enquanto. Só a berinjela em partezinhas e o impiedoso deserto.
Quando finalmente se agarrar ao chão quente da assadeira, aí então estará pronta. Ali os cubinhos estamparão a própria sombra depois de desprendidos por uma espátula.
Em secreto: curiosidade, roubo pedaços ainda virgens de artifícios, só para sentir o sabor assim, assado. Depois uma pitada de sal, e curto mais um tanto da casquinha crocante de cada cubinho encolhido (a berinjela perdeu água).
Compromisso: na tigela, hora do carnaval, lambuza com azeite, joga o vinagre de cheiro, remexe bem, pimentão amarelo, vermelho, cheiro-verde, pimenta-do-reino, um tcham e o diabo. Tá na mesa.
Reflexões digestivas: saudade do sabor que só a mim agradava, da berinjela honesta e murcha, desidratada, da casquinha crocante e a cara feia de sofreguidão de forno.

domingo, 25 de abril de 2010

O abacaxi

E então a vontade e a preguiça duelavam. A vontade queria criar e traduzir um abacaxi.
A preguiça pronunciava derrota, mas o desafio é quem lhe mantinha a vida:
Vontade: o abacaxi é a expectativa da carne doce
Preguiça: não sei de nada
Vontade: fruta-carne, líquida e cortante
Preguiça: isso não me interessa
Vontade: em toda sua amarelice se esconde o mel
Preguiça: ...
Vontade: lá dentro de sua roupagem coroada
Preguiça: brinque sozinha
Vontade: a doçura se revela de acordo com seu humor
Preguiça: bah!
Vontade: e na cabeça carrega a Carmem Miranda
Preguiça: definitivamente não quero falar sobre isso!
Vontade: já fez do seu néctar um perfume natural?
E a curiosidade moveu a preguiça do lugar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Não pode mesmo?

Um certo chef de cozinha andou pregando por aí que temperar peixe com alecrim é um verdadeiro “assassinato” para o paladar. E que coentro não pode ser usado em massas. E que gringos acham essas combinações muito estranhas.
Vamos começar de trás pra frente. Um: desde quando temos que agradar ao paladar dos gringos? Então, o que faremos com o feijão preto, o torresminho e a farofa com banana frita se eles não gostarem?
Dois: a Cozinha Contemporânea me permite criar pratos harmonizados com temperos do mundo todo. Não posso colocar coentro em uma massa? Onde fica nosso regionalismo? E se eu quiser abrasileirar uma receita de sangue italiano, como um belo nhoque de abóbora com suave ragú de carne seca? Não posso mesmo adicionar coentro para completar o dueto?
Três: imagine um peixe branco, de filés altos e saborosos, fresquíssimo, se debatendo na ponta do anzol, saído das águas de um rio gelado agorinha mesmo, sendo assado numa cama de ervas frescas e, entre elas, um ramo de alecrim.
Meu filho, me poupe. O mundo anda tão nervoso. Vá se preocupar com outras coisas! Falar que não se deve colocar alecrim em peixes é demais da conta!

sábado, 17 de abril de 2010

Safra boa

Esta semana, tive a maior surpresa em termos de festa de formatura dos últimos anos, ao prestigiar a turma matutina de Direito da Pucc Campinas.
A estrutura toda, desde o cerimonial até a banda que animava o público, veio de Bauru, da Impacto Ticomia Eventos e Formaturas, nome tão despretensioso e confuso quanto o site – e apesar disso, durante o evento nos passam a sensação de que conseguimos o universo aos nossos pés se apenas solicitarmos a eles.
A região de Campinas que se cuide! A organização toda da festa era digna de um casamento, que quase colocou os que presenciei abaixo do chinelo.
O talentoso chef Giovani dos Santos assina o cardápio do Buffet Comiato, parte integrante da empresa de eventos. Nada do que foi servido era parecido com salgadinhos de recheios suspeitos ou qualquer coisa com consistência e cara de Maisena pra enganar a gente. Nada de molhos ralos, de quatro queijos com gosto de mussarela derretida ou de canapé com paté sabe-se lá do quê. Nada de escassez ou de garçons ocupados demais.
Apesar de terem sido muito modestos em postarem no site apenas fotos de mesas de frios e barcas de sushi, não me esquecerei da saladinha oriental que degustava enquanto a galera pulava na pista ao som de Y.M.C.A., ou da bolinha de queijo empanada com gergelim, coberta com calda suavemente caramelizada ao ritmo de It’s Raining Man. E o carpaccio de palmito pupunha na hora do I Will Survive? Bem, não deixei escapar nada do gostinho que a festa inteira me proporcionou. Trouxinhas de massa phyllo cheias de personalidade, mousses de sabores fortes e delicados harmonizando temperos e ingredientes, creme de aspargos de verdade e outras sopas honestas e um incrível queijo Brie gigante derretido à minha inteira disposição - e outros tantos à disposição dos oitocentos convidados. De fato havia fartura. Aposto que os que pagaram pela festa não se arrependeram de nenhum centavo.
Antes mesmo do Rebolation já havia ido embora e feliz da vida. Como o mundo é bom!

Como se não bastasse o êxtase atingido na festa, no dia seguinte estava na Confeitaria Coimbra atrás dos croissants de chocolate, especialidade da casa, ainda desconhecida na minha opinião. Mas haviam acabado. Um monte de papos-de-anjo mergulhados na calda transparente imediatamente me chamaram da vitrine, sem que desse tempo de eu me entristecer com a falta dos croissants. Foram pelo menos três papos que acompanharam meu café, com uma boa justificativa: na noite anterior deixei a festa antes da sobremesa.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Tomilho, um caso de amor

É quase difícil convencer as pessoas a usarem alecrim fresco no lugar do seco. Que dirá inserir na comida rotineira uma erva pouco conhecida na intimidade, como o tomilho. Geralmente, as ervas frescas representam uma barreira na hora da compra, por um único motivo, pelo menos unânime entre alunos e conhecidos meus: não saber como usá-las.
Eu digo que do mesmo modo que se abre um maldito tablete de tempero artificial e o joga na panela, pega-se uns ramos da erva escolhida e faz o mesmo. Mas ervas frescas combinam com o quê? Com tudo, acredite. Deixo abaixo algumas dicas sobre elas, mas antes quero falar um pouco mais sobre o tomilho, meu tempero secreto.
Não quero discorrer aqui suas propriedades ou sobre qual família pertence, pois esse blá blá blá nunca é lembrado no momento em que apreciamos o sabor do prato acompanhado de um bom vinho, estando sozinho ou rodeado de amigos.
Durante o cozimento, o tomilho pode ser usado inteiro, como um ramo, e depois retirado, seja em ensopados ou sobre os assados, somente para que os ingredientes absorvam seu perfume. Ou ainda, as folhinhas podem ser destacadas do caule e fazerem parte do prato, mesmo ao natural e como decoração.
Como adoro aves assadas (frango, peru, chester, galinha d’angola, pato, codorna e etc), gosto de preencher o interior da carcaça com os galhinhos dele. Na hora de servir basta descartá-los, porque todo o sabor já ficou fixado na carne. Peixes também formam uma boa parceria com o tomilho.
Ratatouille, a clássica mistura francesa de cebola, tomate, abobrinha e berinjela é uma receita engrandecida especificamente por causa de seu aroma. O mesmo efeito hipnotizante acontece quando cozido com lentilha, calabresa e bacon, tudo na mesma caçarola.

Aqui vai um resuminho prático sobre o uso das ervas frescas (frescas, lembre-se!) na comida do dia-a-dia, sem medo de ser feliz:

TOMILHO, ORÉGANO, CEBOLINHA, SALSINHA, MANJERONA E ALECRIM – aves, carnes bovina/suína/caça, peixes, frutos do mar, massas, verduras e legumes
MANJERICÃO – embora combine com tudo, melhor não cozinhar e jogar as folhinhas sobre o prato na hora de servir. Mas vai muito bem quando assado na pizza em forno alto.
ENDRO (dill) – principalmente peixes, legumes e verduras
NIRÁ - carne bovina, peixes, frutos do mar, legumes e verduras
HORTELÃ – Frutas, saladas e pratos árabes ou libaneses

domingo, 4 de abril de 2010

Cartão de Páscoa


Um projeto

Paulinho chegou na frente da vitrine de doces e olhou alguma coisa que não compreendia. Era um cilindro de chocolate com desenhos delicados em relevo na volta toda. O recheio ficou na imaginação - e até então essa era a melhor parte do doce. Na superfície, equilibrava-se alguma coisa parecida com um pedaço de renda engomada, cor de creme. Era de comer? Enquanto a imagem do menino refletia no espelho interior da vitrine, aquele doce crescia em seus olhos vitrificados. Um homem aproximou-se do balcão de confeitos e olhou com curiosidade e respeito para o garoto descalço. Como as oportunidades aparecem, tanto para os mais afortunados quanto para os menos, Paulinho não deixou escapá-la de suas mãos: Moço, me paga um doce? O homem respondeu-lhe com outra pergunta: Você quer aprender a fazer doces? 10 anos depois, Paulinho ganhou um prêmio de melhor confeiteiro da cidade.

Eu tenho alguns sonhos. Além de criar codornas em uma futura fazenda, queria montar uma cozinha-escola para jovens carentes. Faltam profissionais capacitados na área da culinária/gastronomia - os donos de bares e restaurantes não me deixam mentir. É preciso apoio, patrocínio, local e estrutura. O mercado está pronto para recebê-los, no mínimo, como estagiários. E quem é bom, fica. Está lançado oficialmente um projeto. Alguém se habilita a abraçar a causa?

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Blog novo no pedaço

A amiga e jornalista Michele Medola é boa de papo e de garfo. Sendo assim, não podia deixar de fazer um blog contando suas peripécias gastronômicas, o Papa Fina. E se o leitor morar na região de Campinas poderá acompanhar as dicas e broncas registradas por ela.