DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vinagretes, bons acompanhantes

Uma vez alguém me disse que vinagrete era uma coisa fácil de entender: se não lhe convencer logo de cara, melhor nem insistir. Como acatei a idéia, começarei o tema pelo visual e, sendo assim, nem pensar em pedaços imensos de cebola e tomate, um de cada tamanho, murchos, ou ainda meia dúzia deles boiando numa imensidão de óleo e vinagre. Já que começamos a salivar pelos olhos, acredito que um bom preparo exija paciência de monges. Cebola e tomate, na proporção de uma para dois, devem passar pela faca afiadíssima e saírem delicadamente quadriculadinhos. O mesmo vale para um pimentão, se for o caso.
Depois de avaliarmos o molho com um olhar de coronel, aí sim poderemos passar para a segunda e última etapa chamada “ME DÊ MOTIVO:” ou seja, o sabor.
O mais simples e tradicional é formado de cebola, tomate, azeite, vinagre, sal e cheiro verde. Há quem o incremente com um pouco do caldo da feijoada, pimenta vermelha e suco de laranja. Abaixo deixo dicas de vinagretes um pouco diferenciados que acompanham seus respectivos pratos:
Salada fria de abóbora cabochan cortada em cubos e cozida - um vinagrete mais leve, apenas com cebola, azeite, vinagre, sal e suco de laranja pêra.
Carpaccio de salmão defumado - para fãs de endro (dill) fresco, usar limão no lugar do vinagre, cebola, tomate, azeite e sal.
Caldeirada com arroz branco - vinagrete tradicional com coentro, substituindo o cheiro verde, ou os dois.
Folhas amargas, como rúcula, agrião, endívias e radicchio – vinagrete com menos cebola e no lugar dos tomates, um tanto de damasco seco cortado em cubinhos.
Salada de bacalhau desfiado - vinagrete com azeitonas portuguesas (s/ caroço), alho amassado e pimentão amarelo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Um chuchu como outro nenhum

O chuchu, verde-aguado por fora e verde-aguado por dentro, acusa de antemão um sabor nada atraente. Em que momento ele entra na listinha do mercado? Nenhum. Na hora de empurrar o carrinho a gente lembra de ensacar dois ou três para fazer render a sopa.
Chato é descascar aquela pele dura e enrugada, cheia de sulcos, que mais parece o sofrimento de uma vida toda. E assim ele vem com boca fechada, costuradinha por dentro. Cara de tartaruga preguiçosa.
Depois de aparado, por carência ou não sei, deixa uma coisa pegajosa nas mãos. O corte de ponta a ponta revela a parte branca, quase branca-suja, que para surpresa nenhuma, não contrasta com nada. Esse miolo é descartado, por ser pouco duro ou muito insosso, tanto faz. É essa a idéia do chuchu: parece eternamente que tanto faz.
Mas quer um nadinha de dica para ter o chuchu perfeito?
Um banho de azeite, uma ensaboada de pouco sal e um bocado de parmesão barato - cobri-lo assim por completo e aos montes. O ponto? Forno baixo de uma hora ou quando estiver mole e encrespado do queijo dourado.
Nessa hora o chuchu esnoba, não é para todos, só para os virtuosos da paciência – o que não é bem o meu caso, mas por ele vale a pena tanto esforço.
Tchau! Volto só depois do carnaval.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O alimento que descia dos céus

Não me refiro ao filme Tá chovendo Hambúrguer, em que um cientista maluco provoca chuvas de sopa ou nevascas de purê de batatas, mas à crença dos hebreus durante os quarenta anos de peregrinação pelo deserto.
O maná, conforme descreve o livro de Êxodo, e quando o orvalho se levantou, eis que sobre a face do deserto estava uma coisa miúda, redonda, miúda como a geada sobre a terra, era nada mais, nada menos, que gotículas de seiva que brota da árvore do tamarisco, existente até os dias de hoje. Segundo os botânicos, esta seiva condensa durante a noite fria e, ressecada, cai ao solo em forma de pequeninas pérolas adocicadas.
Ao que parece na história do Antigo Testamento, o maná era transportado pelos ventos e chegava em forma de chuva, por isso também era chamado de pão que Deus enviava dos céus.
O livro de Números aguça ainda mais minha curiosidade: e era o maná como semente de coentro, e sua cor como a cor de bdélio. Espalhava-se o povo, e o colhia, e em moinhos o moía, ou num gral o pisava, e em panelas o cozia, e dele fazia bolos; e o seu sabor era como sabor de azeite fresco. E, quando o orvalho descia, de noite, sobre o arraial, o maná descia sobre ele. E eu aqui daria tudo para experimentar essa proeza divina.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Muito aquém

A Gelateria Parmalat me surpreendeu. Não é que tenha superado sua qualidade, muito pelo contrário.
Pedi um sorvete de manjericão, de cor verde-acinzentada. Mesmo dando um desconto na aparência pouco atraente, fiquei na expectativa. Mas a decepção logo veio: parecia que estava engolindo um doce de leite poroso e gelado, de tão açucarado que era. O manjericão usado na receita devia ser em pó, daqueles com gosto de ban-chá, como todas as ervas desidratadas, equivocadamente usadas na cozinha.
É certo que gosto não se discute - quando a conversa é com amadores. O que é isso, dona Parmalat?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O que estava faltando


Chefs contra a Fome. Uma campanha promovida pela Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome. Sob coordenação das Organizações das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o projeto convoca cozinheiros, gastrônomos e entusiastas da gastronomia para propor receitas econômicas e saudáveis com ingredientes locais.
As receitas selecionadas serão reunidas no Receituário Internacional de Chefs Contra a Fome. Lançado em 2008, a primeira edição teve como tema a batata. Este ano o ingrediente escolhido foi o feijão (ou legumes similares) porque o assunto do Dia Mundial de Alimentação 2009 será “Segurança Alimentar em tempo de crise” e os legumes terão papel importante na luta contra a desnutrição.
O livro é distribuído gratuitamente nos países da América Latina e Caribe. No site da campanha é possível acessar o primeiro livro publicado e as ações promovidas com este material.”

A matéria é da Malagueta Comunicação, que também apóia esta campanha.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Um pouco de ética

Quero destrinchar uma outra questão embutida na cozinha tecno-emocional. É que nos tempos em que vivemos, sustentar uma filosofia de comida utópica parece não cheirar muito bem. Faz lembrar da época em que achávamos bonito usar casacos de pele.
Estão elitizando ainda mais o sustento que nos é dado pela natureza, ao mesmo tempo em que boa parte da humanidade sucumbe.
A gastronomia pode não ter um papel significativo na degradação do meio ambiente. Talvez tenha um papel que faça chocar, se continuar mirando o próprio umbigo. Mas poderia mesmo ter papel relevante, quem sabe, na recuperação da dignidade de pessoas que nem humanas são mais.
Quem dá as diretrizes? Não vamos esquecer que a mídia também tem seu papel, mesmo que seja o de jogar confetes sobre qualquer coisa nova que apareça por aí.
O assunto aqui é comida. Espero principalmente que os cozinheiros dos sabores abstratos não se esqueçam o que é isso. E que glamour ou elegância hoje, já que gostam tanto, combina mais com ética do que com seus tubos de ensaio.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Fritada de futilidades

Não gosto da banalidade. Nem da futilidade quando o assunto é mesa. A gastronomia está tomando rumos duvidosos e levando a comida para lugares inatingíveis ou inacessíveis. Como diz uma amiga querida e boa de boca, cozinheiros querem ser mais do que cozinheiros, fazendo comida para o cérebro, não mais para o paladar e estômago. Um ovo, cozido a uma temperatura de 65 graus por cerca de duas horas e vendido a não sei por quantas pratas, é chamado de “o ovo perfecto”, porque sua clara fica mais macia. E se a clara perfecta para mim, for durinha como bumbum de bebê? Por quê tanta excitação em cima de uma forma diferente de preparo? Por quê colocá-la acima dos céus, se até quem não sabe cozinhar pode obter sucesso seguindo a receita? Quanta mediocridade.
Creio que em pleno século XXI, a boa mesa deveria ser para todos, mas parece que ela está mais antipática do que nunca. Creio também que exista um caminho do meio.
Se de um lado estão esses novos conceitos que, com uma pitada de marketing a mais, quase nos convencem de que somos uns verdadeiros palhaços por não sabermos nem por onde começar a fazer uma lasanha líquida, ou uma gelatina de penas de avestruz, de outro lado estão vendendo como nunca comida e temperos prontos de todos os tipos, nos exigindo praticidade e felicidade em cima dos sabores embutidos e artificiais - é exatamente isso o que as propagandas nos fazem engolir.
Não pago para ver nem uma coisa, nem outra.