DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Trio Parada Dura


“Se eu tivesse um filho, eu lhe diria:
Desconfie da moça que não gosta de
vinho, de trufa, queijo ou música.”

Colette



O filme alemão Simplesmente Martha, que deu origem ao fraquíssimo Sem Reservas (Catherine Zeta-Jones ficaria ótima no papel de Branca de Neve, mas nunca no de uma chef) nos mostra uma cena hilária de um cozinheiro italiano que quase hipnotiza a equipe da cozinha, regendo uma ópera que toca na rádio, enquanto panelas e frigideiras dão duro no fogão.
Música, comida e bebida sempre andaram de mãos dadas. Esse trio pode ser da melhor ou da pior espécie, mas está em todas.
Passei a infância ouvindo Glenn Miller, Silvio Mazzuca e canções velhacas italianas, discos preferidos de meu pai. Isso acontecia aos domingos. Os adultos bebericavam alguma coisa enquanto a comida era feita pelas mammas. Na mesa não faltava vinho, cerveja ou licor caseiro. E sempre um comentário infame do meu avô, do tipo: “bebida adocicada e perfume é tudo igual!” (até que não seria mau passar Campari atrás das orelhas).
Mas qual a música ideal para ouvir descascando alho ou na hora do jantar, diante do prato decorado e do vinho que o acompanha? Eu diria que depende do estado de espírito. Quase óbvio, não? Já ouvi de Supertramp (definitivamente, estou ficando velha!) a Madeleine Peyroux, de Piazzolla a Titãs, de Diana Krall a Martinho da Vila, de Elza Soares a Klébi Nori.
Se a música estiver equivocada num ambiente desses, chega a irritar e, às vezes, funciona como estratégia em certos lugares. Algumas churrascarias e rodízios colocam aquelas músicas sertanejas bem nervosas, fazendo você ficar meio zureta sem saber por quê. Come e bebe às pressas, pede a conta e vai embora antes mesmo da caipirinha lhe entorpecer. TOP! TOP! TOP! Você paga por um preço único e deveria comer o quanto quisesse, com muita calma. Mas para o proprietário do restaurante isso não é bom. Não é vantajoso, com esse tipo de serviço, que um cliente fique enrolando na mesa por muito tempo. Eu disse no início que o trio estava em todas, não disse? E assim nós vamos vivendo de amor.

Foto: Regina Bui

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Genuflexório

A comida que não sai da lembrança é aquela que abençoaríamos duas vezes, antes de comer de joelhos, caso nos deparássemos com ela novamente. De todas as degustações, combinações, todos os temperos provados e jantares do qual participei, de chefs pouco ou muito conhecidos, o prato que me faz fechar os olhos de arrepio e emoção, ainda hoje, é um cassoulet feito pelo Steffen, meu mestre das cozinhas.
Cassoulet é uma feijoada branca, tradicionalmente cozida com pedaços de frango e lingüiça. Steffen, pois, a fez com pato. Levou dois dias para prepará-la, tamanho foi o ritual. O caldo da caça para o feijão, impecável, a maciez da carne cozida lentamente em sua gordura, idem. No prato, o paraíso. Depois disso, o sorriso descansado e uma conclusão: vale a pena!
Quando entrei na cozinha de Steffen Serup Andersen para um estágio, ele me pegou pelos braços e disse com aquele sotaque dinamarquês: "Você vai perder muitos amores, porque viver dentro de cozinha de restaurante não é fácil. Não tem sábados, domingos ou feriados de folga. Não tem horários de sobra para nada. Não tem vida social! Tem certeza que quer isso?" Parecia uma condição para ser aceita trabalhando ao lado dele. Ou eu me assustava com a pergunta e ia embora correndo, ou ficava sem levantar questões. Era hora de decidir. Não só o estágio, a carreira toda. Mas tenho nas veias os mesmos ingredientes que ele: paixão e loucura pela cozinha. Steffen foi para mim o chef de referência, o que me deu start, o que mostrou que valia a pena arriscar a perder amores... ou conquistá-los pelo estômago. Trabalhar ao seu lado foi o maior privilégio que pude ter. Conheci um outro tipo de vida dentro da cozinha. Não a de sacrifícios, mas a de alquimia, a dos temperos, a da criação. Por isso lhe agradeço, divino guru, como disse Eça de Queiroz, com infinito assombro e religiosa reverência.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Sem Receita

De Alice Ruiz,
na voz de Ná Ozetti e José Miguel Wisnik,
uma obra-prima

Primeiro lenta e precisamente
Arranca-se a pele
Esse limite da matéria
Mas a das asas, melhor deixar
Pois se agarra à carne
Como se ainda fossem voar
As coxas soltas
Soltas e firmes
Devem ser abertas
E abertas vão estar
E o peito nu
Com sua carne branca
Nem lembrar
A proximidade do coração
Esse não!
Quem pode saber
Como se tempera o coração?
Limpa-se as vísceras
Reserva-se os miúdos
Pra acompanhar
Escolhe-se as ervas, espalha-se o sal
Acende-se o fogo, marca-se o tempo
E por fim de recheio
A inocente maçã
Que tão doce me deleita
Nos tirou do paraíso
E nos fez assim sem receita

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Academia de Culinária

Para quem não sabe descascar abacaxis e nem o que fazer com uma batata quente nas mãos...
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www.academiadeculinaria.com.br

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Papilas gustativas: seu desejo é uma ordem!


A foto acima é um pedaço de filé mignon fresco. Mas o que vou temperar aqui, exageradamente, é este texto. Portanto, caro leitor blogueiro, arrume um copo d'água com ENO sabor Guaraná.
Já me falaram que faço, às vezes, dramalhão mexicano. Eu aceito, mas posso chamar de dramalhão almodovariano? Acho que tem mais a ver com minhas origens.
Bem, o assunto aqui, pra variar, é comida. E procuramos comida por três motivos. Fome, desejo de saciar o paladar e carência (que não cabe a mim destrinchar: estou no divã e não na poltrona de trás).
Quando o estômago reclama pedindo comida, quem escolhe o que vai comer é o nosso paladar, certo? Ele procura nos arquivos da memória os sabores todos catalogados e faz o cardápio completo. Quando temos escolha, é isso o que acontece. A gente seleciona o que vai comer, diante de uma mesa de buffet por exemplo, ouvindo as papilas gustativas: “hum, isso é uma delícia, esse outro aqui eu adoro...” Ou você escolhe dessa forma?: “Esse tem vitamina C, esse aqui tem Ômega 3...” Bem, quando a ordem parte de sua nutricionista o assunto é outro, eu sei. Qual é a criança que come escarola, fígado ou abobrinha mesmo tendo fome? Quem quer sentir o gosto de uma "comida ruim?" Com o passar do tempo, aprendemos a apreciar as variações dos sabores.
Mas antes de concluir o texto, quero deixar claro que, se fosse dramalhão, eu colocaria a pauta de outra maneira, já que sou simpatizante de bolero e do Romantismo, ingredientes quentes. Veja se não daria um bom caldo:

Mais um dia se findava
Não tornara o grande amor
Minha vida tão lascada
Era um grande dissabor

E dos tolos dias mórbidos
Só restavam obrigações
As físicas, as cívicas
Para honrar os meus culhões

Sentindo o vazio das vísceras
Alertou-me o paladar
E sem muito rebusqueio
Pus-me logo a lamentar

De que caça me serviria?
Da terra, do ar, do mar?
A dúvida me carcomia
E o estômago pedia
Qualquer coisa abocanhar

A despensa convidava
Eram fartos mantimentos
Num lampejo veio afobada
Reparei nos movimentos
D'uma pobre perdiz acuada

A cena da mesa posta
Num instante ela se fez
Com vinho, velas e risos
E falta de escrúpulos na tez

Fiz a pobre de refém
pois a língua, pobre de mim,
Assim me fez também

Mas onde quero chegar: não existiria nada disso aqui, nem gastronomia e milhões de profissionais da área, nem marketing, indústrias e empresas, se não fosse necessário trabalhar para atender aos desejos e caprichos sedutores do paladar, instalado no mais audacioso órgão do corpo humano: a língua. Seria esta coitada o demônio que nos induz a cometer o pecado da Gula? Agora podem falar que faço dramalhão.

Foto: Regina Bui

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Comida mineira (senta, que lá vem história!)

Vivem me perguntando por que não votei em nenhum restaurante da categoria Cozinha Regional na última edição da Vejinha Gastronomia. Tinha como única opção considerar os de cozinha mineira, já que temos aqui em Campinas tantos deles.

Pra começar, comida mineira é muito simples de fazer, basta uma boa mão. Mas o difícil é apresentá-la na mesa de uma forma convidativa. Por ser gordurosa e ensopada demais, acaba não tendo uma aparência das melhores, embora saibamos que é super saborosa.

Tenho como referência de restaurante mineiro o Dona Lucinha, de Belo Horizonte e São Paulo. Perfeito em apresentação e ambiente. Visitei vários restaurantes de Campinas em busca de um padrão semelhante.

No primeiro, situado num local próximo de rio e mato, havia muitos insetos e então me deparei com a maneira mais original de separar os bichos da comida: uma cortina de véu ao redor da mesa. Imagine a situação. Você se serve de um purê, por exemplo, e a colher cheia esbarra nesse véu, no trajeto da travessa até o prato. São várias travessas e várias colheradas, num vai e vem totalmente desconfortável, sem prazer algum, até você acabar de se servir. Dá vontade de comer?

Num outro restaurante, o ambiente era muito escuro. A iluminação fraca, o teto baixo, o telhado aparente e empoeirado, e panelas e travessas de ferro preto sobre um fogão de lenha, deixando-o muito sombrio. Enfim, não sei se era estratégia, mas faria qualquer um se sentir numa verdadeira orgia gastronômica, do tipo dark room: você não sabe nem o que pega e nem o que come.

Outro ainda me poupou de ir visitá-lo quando estava a caminho. Sim, foi uma verdadeira bênção. Parei num semáforo próximo quando um garoto me entregou o folheto de propaganda do restaurante. Olhei atenta a foto da orgulhosa e vasta mesa com as travessas de comida expostas. Vi lá: couve, mandioca, polenta, bisteca, torresmo, sushi... SUSHI!!! Meu Deus do céu. Pai das alturas. Cuida dos meus pensamentos. Cale minha boca. E trave este teclado.

São os detalhes que fazem toda a diferença. Os detalhes que parecem insignificantes fazem de um lugar um sucesso ou o verdadeiro fracasso.
Nunca me esqueço do dia em que questionei o proprietário daquele restaurante do cachorrinho (o do texto abaixo), sobre alguns problemas que ocorriam. Ele me fixou com o olhar mais sábio e introspectivo do mundo e, levantando o dedo e a voz, discursou, igualzinho Odorico Paraguaçu: “meu restaurante está lotado, em time que está vencendo não se põe a mão...” Imediatamente entrei em transe. Trombetas soaram e depois disso vi o Mar Vermelho se abrir para ele passar. Junto com o cachorrinho. Só para conhecimento do leitor blogueiro, o restaurante não durou mais 6 meses...

Voltando a falar dos mineiros, o problema é que todos os restaurantes ficam preocupados em caracterizar ao máximo o ambiente, e a decoração fica lá, olhando pra gente e a gente pra ela: chapéu de palha, berrante, arame farpado, inchada, saci (que nem faz parte do folclore mineiro), cabeça de boi, santinhos de altar, fumo de corda, réstias de alho penduradas e a pinga com canela na entrada. E deixam a apresentação e cuidados com a comida a desejar, logo ela, que é a estrela principal.

Ô genti, vô falá procêis, si ocêis mi permiti: num dá procêis abri um restauranti normal, sem bizarrici, sem teidiarânha, sem lagartixa nu tétu, sem véu di noiva na mesa, sem curupira, sem sushi, sem parede suja, e não assim, sem carinho (sem coberta, no tapete, atrás da porta, reclamei, baixinho...). Afinardiconta, tamu falandicumida e não di cenário, uai...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Valpadana & Calamares

Trago com freqüencia, do fundo da memória, a lembrança de dois restaurantes que existiam em Campinas nos anos oitenta, o Valpadana e o Calamares. O Calamares não era bem um restaurante, mas um bar noturno que servia ótimas sugestões do modesto cardápio. Não me esqueço da lula grelhada, talvez temperada com um pouco de vinho branco, sal, nada muito complicado, mas de textura divina e o coração de quem a fez. Sempre fresquíssima, como se o mar estivesse ali do outro lado da rua. Lembrei-me de Sêneca: “um cozinheiro custa mais caro do que um triunfo.”
O Valpadana era dirigido pela proprietária, típica italiana de nariz longo e lábios finos, que transitava entre a cozinha e o balcão. E o molho de tomates... digno dos lábios de Nossa Senhora da Achiropita!
Dois lugares despretensiosos, sem glamour, sem neon - como poesia da boa rascunhada em papel de pão, sabe? - mas e daí? faziam valer o dia.
Nem imagino onde possa encontrar o cozinheiro do Calamares ou a proprietária do Valpadana para beijar-lhes as mãos.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Animais e coisas a mais


Adoro bichos. Bichos se apegam a nós e à ração que damos a eles todo santo dia. Os domésticos, claro. Conheci nos bastidores de um restaurante, instalado em bairro nobre, um cãozinho desses peludos que transitava livremente na cozinha porque o proprietário achava isso normal. E ai do cozinheiro que reclamasse. Isso no Brasil, né? Se fosse na China o cachorro estaria no forno com outros trinta. Também já torci o nariz – afinal de contas, sou politicamente correta, e hipócrita! – vendo papagaio bebendo cerveja por vontade e diversão do dono. Que infantil! Nessa hora me esqueci do método horroroso de engorda dos gansos, cujo fígado inchado, o delicioso foie gras, está na lista dos mais pedidos do meu cardápio. Sou inocente ou culpada?
Falando ainda dos bicudos, há poucos anos a avestruz entrou na moda, virou capa de revista gourmet e mereceu flashes e vinhos nobres para cortejá-la nas mesas paulistanas. E olha que contraste: no Norte, tartaruga é tracajá que, de barriga para cima, morre lentamente quando assada na brasa da churrasqueira. Alimenta famílias e famílias ribeirinhas que desconhecem a existência de algo que se chama gastronomia. Cultura é cultura! O mesmo país que come cachorros assados aprecia também os ratos. E que molho acompanharia um Confit de Roedor (nome mais apropriado para um menu), se tivesse que servi-lo? Será que no mesmo supermercado que vende o bichinho encontramos também raticida, ou isso seria desumano? Eu, hein!
Animais são seres (pra não chamar de quase-objetos) de prazer e consumo que, de acordo com a cultura, permitimos, legalizamos, carimbamos, classificamos, administramos e ordenamos: este é pra assar, este pra mimar, este pra proteger, este pra farrear, este pra vestir, este pra fritar, este pra adestrar, aquele pra vender, este pra trabalhar e o outro pra exibir.
Ó drama!.. Deixe-me voltar pra cozinha. Vou picar cebola. Quem sabe eu consigo chorar.


Foto: Regina Bui

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Feijoada Completa II

Tenho muito respeito por quem curte, mas ainda não consegui digerir na mente a receita de feijoada vegetariana que me foi passada. Hã? O feijão é o mesmo, o pretinho tradicional, temperado com cebola e alho. Para substituir um porco inteiro, ricota e tofu defumados, ricota apimentada, carne de soja, inhame, mandioquinha e cenoura cortada em tirinhas que, segundo a sugestão, substitui visualmente o rabo do suíno. Já que começamos a comer com os olhos, boa tentativa... Mas e o sabor? Quem experimenta pela primeira vez, deixa o paladar na expectativa, em relação ao prato original. Não seria mais apropriado mudar o nome para Ensopado de legumes e queijos defumados no caldo do feijão preto? Quem ama o estranho, saboroso lhe parece.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Sabor artificial de...

Por causa dos artifícios usados na comida do dia-a-dia, estamos criando padrões para o nosso paladar que são bastante questionáveis. São temperos para realçar sabor, misturas para dar o toque diferente, preparos para dar mais cor, pozinho disso, molhinho daquilo. Aos poucos, não sabemos mais o que é feijão sem o tabletinho de carne e nem arroz sem o tabletinho de galinha. Como diz um autor, “o hábito se torna uma segunda natureza.”
E será que as papilas gustativas podem se tornar insensíveis depois de algumas décadas de vida graças ao uso diário desses produtos? Não sabemos ao certo, afinal de contas, os temperos industrializados começaram a freqüentar nossas mesas depois dos anos oitenta principalmente. Quem viver dirá.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

E por falar em vinagre...


Falando especificamente da combinação entre o azeite e o vinagre, melhor se misturados da seguinte maneira:
azeite extra-virgem com vinagre balsâmico;
azeites apimentados e de ervas com o vinagre de vinho tinto;
azeites ou óleos de castanhas com os vinagres frutados, como o de framboesa.

Foto: Regina Bui

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Batuque na cozinha

A criatura musical que mais amo na face da Terra é Rita Lee - antes de Elis e depois da Cássia, mas não necessariamente nessa ordem. Não sei de que a alquimista de Bossa’N Roll se alimenta (ou deixa de se alimentar) por ser tão magra, mas de qualquer maneira, só encontrei algo especial em sua música sobre comida lá nos anos 70, em Macarrão com Lingüiça e Pimentão. Outra criatura musical que amo é Chico Buarque. Ele descreve na divina Feijoada Completa, com muita informalidade, a arte de receber amigos em casa com uma boa comida, ainda que o número de comensais exceda. O imortal Adoniran Barbosa canta Torresmo à Milanesa, incrementado com os divertidos erros gramaticais. Dorival Caymmi também nos seduz em Vatapá, fornecendo quase a receita inteira mas com a dica baiana mais importante: uma nega que saiba mexer, a cozinheira de mão cheia. Já o chato do Alceu Valença mistura uma paixão com ingredientes regionais bem interessantes em Tropicana. E João Bosco, em sua profunda sabedoria, nos presenteia com Linha de Passe e Siri Recheado e o Cacete. Genial, João, genial! Só lamento muito Paulinho da Viola não ter se inspirado tanto em temperos para compor. Tenho vontade de lhe servir um prato! Muita pretensão de minha parte sim, mas alguém tinha que fazer alguma coisa...

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Presentinho


Essa eu ganhei de presente, de quem vive entre as letras...

És filha do mar e prima do orégano,
nadadora, teu corpo é de água pura,
cozinheira, teu sangue é de terra viva
e teus costumes são floridos terrestres.
(Pablo Neruda)

Foto: Regina Bui

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O sumido

Camarão ensopado com chuchu sumiu há décadas da mesa do paulistano. Acompanhado de arroz branco fazia parte do cardápio semanal de uma família, como o feijão, a salada, a sopa, o bife e as fritas.
Adriana Calcanhoto regravou a música Disseram que Voltei Americanizada, cantada nos anos 40 por Carmen Miranda, em que menciona o trecho “enquanto houver Brasil, na hora das comidas, eu sou do camarão ensopadinho com chuchu...”
Lembro-me com saudosismo da exclusiva receita. Exclusiva e original, sim. Pois nada se parece e nada substituiu até hoje essa simples e rica mistura do camarãozinho sete barbas, aquele sem-vergonha, com o opaco do chuchu. A dupla, misturada com cubinhos de tomate, azeite, cebola e alho na frigideira, faz de um dia chuvoso e úmido o mais quentinho e aconchegante que se possa imaginar.

Tapas arrabiatos

Ao contrário do que possa parecer, tapas não são bofetadas e sim comida espanhola da boa. Tapas são uma espécie de mini-bruschetas ou canapés, generosas porções servidas nos bares e que não tenham necessariamente o pão como base para carregar os outros ingredientes até a boca. Enfim, o finger food do mundo das castanholas. Em minhas veias correm 25% de sangue espanhol e 75% de sangue italiano. Combinação perigosa para a cozinha, considerando a grosseria cômica italiana e a dramaticidade quase trágica espanhola. Mas as culturas de sangue quente surpreendem os paladares quando o assunto é comida. Como o velho italiano spaghetti all’arrabiata por exemplo que, mesmo levando o significado enfurecido e irritado no nome, é simplesmente apaixonante pela ousadia da mistura do tomate com as pimentas, o bacon, manjericão e parmesão. Mas o que os dois países têm em comum na beira do fogão, além do nervosismo genético, é também um enorme comprometimento maternal. Com comida não se brinca. Aí qualquer ofensa passa a ser somente e somente mesmo da boca pra fora.