DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

terça-feira, 2 de junho de 2009

A serpente e a maçã

Vendo que a maçã estava insatisfeita e opaca, perguntou a serpente:
- Por quê andas tão sem vida, maçã? Certamente não é a terra que te alimenta, vejo pelos frutos desta árvore, nem a base de teu galho foi ferida, tampouco adoeceram tuas raízes.
- Enjoei dos sais desta terra e do cotidiano que me fatiga.
- Não sejas mimada ou ingrata por tudo que te dá gratuitamente o universo. Tu vieste ao mundo, bela e doce. Vês o tamarindo, que é feioso, azedo e com nenhuma polpa? Mas não reclama como tu, maçã. Antes, esforça-se constantemente para melhorar.
- Sabemos que nunca vai melhorar. Um tamarindo será sempre como disseste, feioso, azedo e com nenhuma polpa.
- Para isso foi criado o sofrimento, exercícios de humildade são sempre bem vistos.
- Nisso não vejo sentido.
- Não sabes dos desígnios do Criador.
- E por acaso o Criador vê utilidade em mim, uma maçã comum em meio a tantas outras?
- Se a ele não houver utilidade posso eu te fazer muito importante.
E o resto da história nós já conhecemos: depois de Eva ter mordido a maçã, virou-se esta para a serpente e disse:
- É assim que tu me tornas útil? Servindo de tentação para essa inocente mulher?
- Para isso foi inventada a culpa. A culpa, que gera remorso, que gera prostração, que gera choro, que gera aflição, que gera um olhar de arrependimento para os céus e que gera, a partir daí, os movimentos de uma outra etapa: a busca pela reconciliação, o pedido de perdão e a aquietação de um comportamento de rebeldia sem causa – que era o que precisavas.


Foto: Regina Bui

2 comentários:

Ita Andrade disse...

Re,
ainda não provei teus quitutes outros...mas com esse bom bocado aqui, fiquei muito bem servida.
Linda1

Regina Bui disse...

Nuances da vida, os sabores indesejados e a lições que temos de engolir...
beijão