DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

terça-feira, 30 de março de 2010

Que Amélia é essa?

Amélia picava cebola e chorava. E também chorava porque picava a cebola. Não se dava ao luxo de fechar os olhos, nem sabia o que era ter um luxo. Não achava poesia em não ter o que comer - poesia ela sabia o que era. A cebola ardia nos olhos, enquanto a dor gerava uma nascente de águas salgadas, que brotavam, parecia, do coração, separavam-se nos canais lacrimais e encontravam-se novamente do lado de fora, bem na curvinha do seu queixo. Sabia que tudo passava e que tudo continuava, como os dias, as semanas, os anos. Mas sonhava com um fim. O início não importava, não fazia parte de nenhuma história.
Seu único consolo, lembrava frequentemente, é que as heroínas das histórias que conheceu não escaparam de sofrimento algum. Foram condenadas por coragem, persistência, indignação ou sensibilidade. Então entendia que a vida tem um preço e um valor; que a vida se paga com a própria vida. Prato do dia: arroz com cebola.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Aula Aberta - Palestra

COZINHA PROSEADA E O MUNDO DA GASTRONOMIA
chef Regina Bui
Onde: Espaço Cultural Era Uma Vez
Quando: 29/03/2010
Horário: 19:30 hs
Todos serão bem vindos!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Um carneiro chamado Pulôver

Pela primeira vez na vida ajudei a tosquiar um carneiro, o Pulôver. Foi emocionante a aventura, tão longe de minha realidade. Logo na semana que antecede meu aniversário, me encontro renovando uma capa encardida e velha (fazia mais de um ano que o Pulôver não era tosquiado), do animal que me representa no zodíaco.
Um verdadeiro alívio, tanto para mim quanto para ele, arrancar com um tesourão o casaco grosso e pesado que o enchia de calor. E depois, ele ficou muito mais jovem. O contato com um animalzinho desses, que não vemos assim em qualquer lugar e a todo momento, é de apertar o coração de alegria. Geralmente alegria não faz com que o coração fique apertado, mas acho que o leitor entendeu o que eu quis dizer.
No mínimo, explorei as sutilezas da lã bruta e macia, cruzei o olhar indefeso do bichinho assustado, conheci um outro cheiro daquele que estou acostumada em minha cozinha. Oh, céus! O inventor das emoções compartilha delas conosco? Ao mesmo tempo que acho que não deveria ter sentido o Pulôver tão de perto, fiquei imensamente grata pelo que considerei ser um presente de aniversário, tão fofa - literalmente -experiência.
Vida longa à mim e ao Pulôver – e à ovelhinha negra que pulava no meio do seu bandinho!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Por falar em ovo, Páscoa! Mas que tal um sorvetão?


Não posso deixar de falar novamente sobre o pecado inventado por Deus em forma de sorvete para nos tentar. A Stuzzi lança pelo segundo ano consecutivo o Festival do Chocolate, que vai até 04 de abril. São 8 sabores extras, elaborados especialmente para a temporada de Páscoa. Digo temporada, porque começamos a sonhar com chocolate bem antes da data comemorativa oficial. E continuamos a devorá-lo bem depois. Estou mentindo? Dentre os destaques estão:
Cioccolato Al’arancia - chocolate meio amargo com pedaços de laranja em ganache de chocolate
Gianduia - chocolate com (incomparável) avelã do Piemonte IGP
Fave di Cacao Torrefatte - elaborado com um extrato seco do fruto, conferindo ao sorvete um sabor leve com notas de torra
Cioccolato Taïnori - um Gran Cru de Terroir da República Dominicana, que exibe o sabor de frutas amarelas, seguido por notas de frutas oleoginosas
Cioccolato Bianco con Cassis - chocolate branco com calda de Cassis

E desta vez a Stuzzi tem parceria com a Valrhona - que praticamente é o melhor chocolate do mundo! Eu posso com tudo isso?

quarta-feira, 17 de março de 2010

O ovo em seu universo

Tão frágil numa casca que é um nada, um desenho elíptico, e como a órbita da Terra, também carrega no centro, boiando na placenta clara, uma bola amarela. Não de fogo, mas de frieza, a temperatura da morte. Para agradar a todos os gostos, ciência e fé explicam o milagre da vida que existe ali. Ou se permite ou se sacrifica a vida para nosso deleite, são apenas dois os destinos ao ovo dados. O ovo é a salvação do impaciente. Três minutos na fervura, mole. Cinco minutos, duro. Dois minutos em óleo quente, frito. Misturado, mexido. Num segundo, quebrado.

segunda-feira, 15 de março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

Bacalhau à Mia

O bacalhau cozinhava mergulhado em azeite, que borbulhava em marcha, cobrindo também as batatas, a cebola em rodelas misturadas com alho amassado, ovos fatiados e as amargas azeitoninhas portuguesas. Na minha opinião, receitas simples de bacalhau são as mais gostosas, como essa, bacalhau à Mia.
Ingredientes simples como aspargos frescos, champignon, shimeji, abóbora e outros sabores delicados não necessitam de nenhuma alegoria para que não sejam mascarados. Ah, mas bacalhau não é nada delicado, muito pelo contrário. Por isso mesmo, caro leitor, é melhor que ele, só ele, salgue os demais ingredientes e os deixe com gosto de sol e mar ou de inverno, já que o peixe em questão, conservado e adormecido, aguarda de prontidão nossos desejos e vontades.
A receita é da estreante Revista Gosto, que em minha mesa tomou o lugar da velha e conhecida Gula. Motivo? Confesso que sigo religiosamente o trabalho do editor J.A. Dias Lopes, que está à frente da nova publicação. E olha que gosto se discute sim, mas qualidade não.

Bacalhau à Mia

(6 porções)
2 kg de bacalhau do Porto
1 ½ de batatas
3 dentes de alho bem picados
1 ½ de cebolas cortadas em rodelas
750 ml a 1 litro de óleo de oliva português
2 colheres (sopa) de vinagre de vinho branco
4 ovos cozidos duros cortados em rodela
100 gr de azeitonas portuguesas
Salsinha picada grosseiramente para cobrir
Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

1. Lave o bacalhau e coloque-o de molho em bastante água, na geladeira, por cerca de 36 a 48 horas, trocando a água seguidamente.
2. Após esse tempo, cozinhe o bacalhau em água já fervente, por uns 8 minutos aproximadamente, cuidando para que não fique cozido demais. Escorra e retire cuidadosamente as espinhas maiores. Reserve.
3. Cozinhe as batatas em água, com as cascas, sem deixá-las muito cozidas. Escorra-as, pele-as e corte em rodelas grossas. Reserve.
4. Em uma panela, cozinhe lentamente os dentes de alho e as cebolas no óleo de oliva, até ficarem transparentes. Tempere com sal e pimenta.
5. Desligue o forno e misture o vinagre. Reserve.
6. No fundo de um prato refratário, disponha um pouco do molho de cebolas.
7. Coloque o bacalhau em cima, depois as batatas em rodelas, os ovos e as azeitonas.
8. Cubra com molho de cebolas que sobrou e polvilhe com a salsinha.
9. Leve ao forno médio (180º) por aproximadamente 30 minutos ou até o molho atingir a fervura completa e a salsinha secar.
10. Retire do forno e sirva imediatamente.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Um sorvete pra chamar de seu

Talvez esse seja o maior desafio da minha vida. Descrever o tal sorvete de doce de leite com sal grosso. O QUÊ? Fiz exatamente essa cara quando me contaram. Dolce latte com nocciola tostata al sale é o nome do sabor. Contar aos leitores sobre essa combinação surpreendente é como tentar explicar o cheiro de terra molhada com grama aparada a quem nunca sentiu. Inimaginável. Mas vou tentar.
Primeiro quero pedir ao curioso que esqueça por completo a idéia do doce de leite comum, registrada desde a infância em nossa memória, pois o sorvete não é tão exageradamente açucarado assim. A proposta é mais delicada. E segundo, a mistura de nutella na receita faz o sabor subir ligeiro como pipa na praia em dia de vento. Os cristaizinhos de sal, que estão ali, tão escondidinhos e comportadinhos, aguardam pacientemente pelas primeiras colheradas para se manifestarem e explodirem em sua boca.
A geladeira balcão mais parece uma vitrine de shopping. Claro que é proposital. Com isso, as moças nos servem com um sorriso orgulhoso no rosto quando a gente vai pedindo as colheradinhas para experimentar.
Outras sugestões que me tiraram do sério, no bom sentido: Crostata di mascarpone al limone, Tiramisu, Pera com acqua di coco.
Há quem ache a massa do sorvete um pouco pesada, apesar do sabor indiscutível. Pois eu não. É só um estilo próprio, diria.
Há quem diga que a história do nonno Vittorio, que começou a fazer sorvete com neve em 1922 seja papo de publicitário, mas que diferença faz isso hoje?
O Guia da Folha e a Época elegeram como o melhor sorvete de São Paulo. Tá? A Stuzzi pode vir quente que eu estou fervendo.
Stuzzi
Rua Paulistânia, 450
Vila Madalena - SP
(11) 3816.0279

quinta-feira, 4 de março de 2010

No Restaurante Vegetariano

Adão pega a maçã redonda e sensual e sussurra algo ao que ele considera um ouvido. A maçã se perturba, e, ardente, fica com um vermelho ruborizado. Adão nota a mudança e acaricia-lhe a face com a fruta fresca e (por sua culpa) avermelhada. Sente-se só e com tanta paixão. Eva chega chupando a costela de um osso recém devorado. Seus lábios brilham com a gordura do animal. Adão se excita. Não sabe se prefere Eva ou a maçã. Ambas parecem tão dispostas. Inclina-se para a mulher, depois suspeita que a próxima costela pode ser a sua.

BEATRIZ NOVARO (tradução de Ana Thereza Vieira)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Sopas de uma noite de verão

Odiava sopas na infância. Achava que por serem muito pedaçudas e densas, era comida de adultos, e que criança deveria comer só frango à milanesa com catchup e purê de batatas. Enrolava até não poder mais. Meu pai marcava no relógio: quando o ponteiro grande chegar no seis, quero o prato vazio. Esse tempo era de dez minutos. Enfim, inverno significava tortura chinesa – tudo por causa das sopas!
Hoje, invento de mil tipos, em qualquer estação do ano. Mas as de verão são especiais e mais elaboradas. Não é qualquer sabor líquido que agrada quando degustado frio ou morno.
Este fim de semana servi para os amigos uma sopa de abóbora cabochan (ela de novo), batata doce e mandioquinha (em proporção menor), fervidas e batidas com a própria água e um pouco de creme de leite. Nem uma pitada de sal, mas isso é opcional. Eu preferi sentir o mel de cada um desses legumes. O único segredo é o cuidado na hora de adicionar os líquidos, tem que ser aos poucos, para que o resultado final não pareça um suco ralo. A consistência é a de um creme homogêneo e aerado.
Lembrei-me também do consomê servido num jantar, cujo tema era de frutas na comida, o primeiro de uma degustação de sete pratos. Era feito de um delicado caldo de frango e carambolas e, ao provar, pegávamos carona nas asas da xícara de porcelana branca.
Amêndoas com castanhas-de-caju. Esta sopa levemente salgada e arrebatadora deve fazer parte de mesas angelicais nas dimensões superiores. Basta deixar as frutas secas dormirem em uma parte de água e outra de leite, e no dia seguinte, como um tornado branco e espiralado no liquidificador, transformar tudo em um surpreendente creme celestial.
Outra sopa boa, fresca e verde, pimenta cambuci com kiwi e salsa me faz lembrar gazpacho. Adoro! Sopa gelada espanhola, feita basicamente de tomate, pepino e pimentão e condimentada com azeite, pimenta-do-reino, cebola e vinagre. Em algumas receitas um pouco de alho. Essa é das fortes. E não à toa que tem a cara do Almodóvar.
Acho que sopas de verão são sempre emocionantes, por serem não-óbvias e imprevisíveis.