DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

terça-feira, 12 de maio de 2009

Da naftalina ao microchip



Tudo na vida é repaginado. A cozinha também não escapa do movimento involuntário do universo.
No quartinho das bagunças estava revirando o baú, literalmente, e revendo livros e revistas antigas de cozinha - essas coisas que a gente ganha de tias-avós – com receitas dos anos 60. Achei um fichário em forma de mini arquivo com uns 200 pratos, todos ilustrados com fotos.
Lembra de quando strogonoff era super chique? Hoje ele reveza com o picadinho das terças-feiras. Mas continua gostoso. E galantine? Ninguém mais ouve falar. Assim como: fricassé, terrina, escabeche, civet, tournedos. Pratos a la: Provençal, Jardineira, Marengo, Normanda. Molhos: Rosé, Bourguignonne, Bérnaise, Bordellaise, Madeira. E as sopas? Parmentier, Vichyssoise. Saladas Russa e Niçoise. E sobremesas de nomes desaparecidos, como: Charlote, Diplomata de Frutas, Delícias de Côco, Surpresa de Laranja, Zabaione, Arroz Doce à Imperatriz, um pãozinho chamado Maravilhas e o conhecido Flan de alguma coisa.
E ainda outras receitas estranhas, tipo: Schenkelé, Bortsch e Pirojki. Pi o quê?
Fotos super produzidas para a época, mas nem um pouco apetitosas nos dias de hoje.
Muito bem. No mesmo dia, visitei um amigo aqui de férias, o João, que trabalha há um ano e meio com o chef Jorge Breton, em Valência, Espanha.
Quando João abriu seu laptop e me mostrou as fotos da cozinha-hi.tech-contemporânea-espanhola-fusion-ultramoderna toda em inox, só pude dizer:
- CaaaRaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaCaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
Nem panelas normais esses caras usam! Boca de fogo, só havia duas, para as reduções mais brutas. Resumindo, o resto dos alimentos são processados e cozidos em equipamentos digitalizados, cuja temperatura é totalmente controlada em tempo integral. Até as chapas são elétricas. Existe um banho-maria, por exemplo, usado para amornar um azeite durante horas com algum outro ingrediente, com a finalidade de aromatizá-lo. Uma outra maquineta a vácuo, que transforma sabores e texturas, pode fazer com que um pedaço de melão tenha gosto de maçã verde. E esses cozinheiros-cientistas fazem também cápsulas cheias de algum líquido e que estouram na boca. E coisas além de gelatinas e espumas.
Os pratos viram verdadeiras obras de arte, super coloridos e clean, às vezes com ingredientes não identificáveis, que depois você descobre ser uma fatia de nabo. E quer agradem ou não nosso paladar, ou, por mais que tentemos preservar a comida da vovó feita no fogão de lenha, daqui uns 50 anos teremos as engenhocas acima como eletrodomésticos em casa, comprados pela Polishop. Pode escrever!

2 comentários:

Anita disse...

O El Bulli fazendo escola.
Essas receitas que voce mencionou acima sao classicos que continuam a ser amados e muitas vezes recebem um "casaquinho" novo.

Regina Bui disse...

Falarei disso no próximo texto!