DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Animais e coisas a mais


Adoro bichos. Bichos se apegam a nós e à ração que damos a eles todo santo dia. Os domésticos, claro. Conheci nos bastidores de um restaurante, instalado em bairro nobre, um cãozinho desses peludos que transitava livremente na cozinha porque o proprietário achava isso normal. E ai do cozinheiro que reclamasse. Isso no Brasil, né? Se fosse na China o cachorro estaria no forno com outros trinta. Também já torci o nariz – afinal de contas, sou politicamente correta, e hipócrita! – vendo papagaio bebendo cerveja por vontade e diversão do dono. Que infantil! Nessa hora me esqueci do método horroroso de engorda dos gansos, cujo fígado inchado, o delicioso foie gras, está na lista dos mais pedidos do meu cardápio. Sou inocente ou culpada?
Falando ainda dos bicudos, há poucos anos a avestruz entrou na moda, virou capa de revista gourmet e mereceu flashes e vinhos nobres para cortejá-la nas mesas paulistanas. E olha que contraste: no Norte, tartaruga é tracajá que, de barriga para cima, morre lentamente quando assada na brasa da churrasqueira. Alimenta famílias e famílias ribeirinhas que desconhecem a existência de algo que se chama gastronomia. Cultura é cultura! O mesmo país que come cachorros assados aprecia também os ratos. E que molho acompanharia um Confit de Roedor (nome mais apropriado para um menu), se tivesse que servi-lo? Será que no mesmo supermercado que vende o bichinho encontramos também raticida, ou isso seria desumano? Eu, hein!
Animais são seres (pra não chamar de quase-objetos) de prazer e consumo que, de acordo com a cultura, permitimos, legalizamos, carimbamos, classificamos, administramos e ordenamos: este é pra assar, este pra mimar, este pra proteger, este pra farrear, este pra vestir, este pra fritar, este pra adestrar, aquele pra vender, este pra trabalhar e o outro pra exibir.
Ó drama!.. Deixe-me voltar pra cozinha. Vou picar cebola. Quem sabe eu consigo chorar.


Foto: Regina Bui

2 comentários:

Anônimo disse...

boooooooom!
coitados dos bichinhos.
sorte que picanha não é um bicho, né? ou é? :)
e bife de kobe (é assim que escreve?)? seria crueldade tratar um boizinho com tanto amor só pra carne ficar mais gostosa? a vida dele, afinal, é mansa. melhor que a minha, ao menos, que não ganho massagem todo dia.
anyway, achei esse o melhor texto mesmo. era só pra registrar.

Regina Bui disse...

Infelizmente tenho que lhe revelar: picanha é um bicho!!! não é de chorar???