DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quinta-feira, 13 de março de 2008

Quando o amargo não está na boca


Mas como escrever sobre depressão num blog de comidas? No divã espera-se que tudo seja permitido e a cozinha em funcionamento é um lugar tão descontraído para confissões como o próprio sofá-cama, acredite. Tentarei ser doce como o cheiro do endro.
O assunto depressão, além de incomodar, é tabu, como sexo nos tempos da vovó. Para os que não têm idéia do que seja, um livro interessante é O Demônio do Meio-dia, de Andrew Solomon. De tantos depoimentos e informações técnicas sobre a questão, chega realmente incomodar os incomodados que não pretendem se mudar, e acham que conselho bom é aquele do tipo: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, ou: isso é frescura, vai trabalhar que passa! Esses conselhos, tão apetitosos e digestivos como mousse de ossobuco com jatobá, levam qualquer paciente em recuperação ao enforcamento. São tão desnecessários como papa de cebola crua com alho para recém-nascidos, ainda que tenha um pouco de mel (essa é uma receitinha alternativa para auxiliar a doença do século: cebola, alho e mel batidos no liquidificador, sendo três partes de cebola com alho e uma de mel).
E que venha a fluoxetina, porque quem não viu os dias sem cor, não perdeu o apetite pela vida, não sentiu areia movediça sob os pés e cimento no lugar das botas ou pensou a morte como solução prazerosa, não sabe que gosto isso tem. O silêncio da ignorância vale mais do que qualquer palavra equivocada dirigida a alguém que sofre desse mal. Vivemos num mundo onde um quer explicar melhor do que outro - entender não é tão importante assim.

Foto: Regina Bui

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