DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

sábado, 8 de março de 2008

Muita psicologia nessa hora

Passei algumas horas cuidando do filho de uma amiga e virei mãe por um dia. Precisava fazer o almoço e levá-lo na escola. Preparava lentilhas com lingüiça calabresa e alecrim, arroz branco, molho para a salada, quando me toquei: e se ele não gostar?
Lembrei-me de quando tinha 13 anos e estava na casa de uma colega. Detestava abobrinha na época. Na verdade nunca havia provado, mas era insuportável, eu me lembro, e não havia nenhum motivo para descobrir se esse estranho legume era saboroso ou não. Sua aparência simplesmente não me agradava. Mas adivinhem o que tinha para o jantar naquela noite? Abobrinha. Outras coisas acompanhavam a refeição, como carne, suflê, verduras. Mas no prato que fizeram para mim, ela crescia lentamente, quanto mais eu demorasse a provar. Nem pensava em deixá-la como sobra, achava falta de educação. Imagine: ingrediente non grato, comida non grata e consequentemente persona convidada non grata. Até que chegou o momento e eu tive que comer abobrinha pela primeira vez. E não é que era boa? Refogada na cebola e no alho com azeite de oliva extra-virgem, super al dente e um leve sal.
Agora estava eu fazendo o outro papel, com uma inocente vítima na minha frente. Perguntei pro Gabriel se gostava de lentilhas. Ele respondeu: “Não sei, não me lembro de ter comido antes...” Ai, ai, ai. Bem, já estava pensando num plano B, numa massa com o infalível molho de tomates ou algum coringa de geladeira. Mas não é que o menino gostou e repetiu?
Passei 37 anos detestando melancia. Achava que tinha cheiro de maria-fedida, aquele bichinho inesquecível. No último verão me entreguei, diante de uma jarra de suco bem gelado: achei que já estava na hora que quebrar o desencanto. Foi mais fácil gostar de jiló do que de melancia, mas acabei tomando três copos.
O sabor dos alimentos varia muito de acordo com o seu modo de preparo e a preferência é bem pessoal. Por exemplo, quiabo me agrada mais quando é frito, bem sequinho, e não cozido. Pepino, o primo da melancia, só se for japonês e agridoce. Já vi alunos se rendendo a bacalhau, repolho, frutos do mar, grão-de-bico, porque ao provarem novas receitas, quebraram uma impressão negativa que ficou no passado.
Nossa relação com os sabores tem uma história. E, como toda história, pode até mesmo ter um final feliz: basta abrir a mente, e a boca.

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