DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Mocotó pra que te quero

Trabalhei com muitos nordestinos e baianos dentro das cozinhas paulistas e confesso não conhecer profissionais mais talentosos, determinados e unidos em toda a área da gastronomia. No extinto Cirò, onde eu era responsável pela cozinha fria, percebi que todos os domingos pela manhã os cozinheiros se serviam de um preparo de cheiro forte, um caldo grosso e quente. Sabia que era hábito deles, que fazia parte da cultura, mas por causa da correria de praxe, nunca dei muita bola.
Num domingo cheguei quase arrastada, com dor de cabeça, sono, arrependida de ter bebido na noite anterior e de ter ido pra cama bem tarde. Mas lá estava eu: sete e meia batendo o cartão. Quando o Gilmar, do outro lado da cozinha, me ouviu resmungar, prontamente ofereceu:
- Tome um pouco.
- O que é isso?
Perguntei.
- Caldo de mocotó.
- Hã?
- Tome que vai lhe fazer bem.
- Não tenho coragem!
Quando vi no caldeirão aquele angu ferrugem alaranjado olhando pra minha cara, não disfarcei a repulsa.
Num gesto de capricho irônico, Gilmar peneirou o caldo no pratinho de consommè e me serviu delicadamente, como se fosse o próprio garçom. A cena toda era refinada e assombrosa, igualzinho aos planos do Dr. Hannibal Lecter.
Mas que hipocrisia a minha. Se eu como feijoada, salsicha, dobradinha e tudo quanto é porcaria por aí, por que tanta resistência? Tudo o que eu precisava naquela hora da manhã era uma sopa substanciosa e quente para me dar ânimo e, ainda por cima, o aroma temperado que dominava o ar também aguçava minhas papilas gustativas. Passei a mão na porcelana branca e fui provando, gole por gole. Nunca vi nada igual. Mocotó é o Biotônico Fontoura do sertão? É o espinafre do Popeye? Alguns minutos depois eu me sentia como o bonequinho dos pneus Michellin. Na hora eu entendi: os cozinheiros enchiam a cara nos finais de semana e passavam a madrugada dançando forró. Nas manhãs agitadas de domingo, pra encarar o grande movimento do restaurante, precisavam de um verdadeiro tratamento de choque.

5 comentários:

Rosane Queiroz disse...

Regina

nunca gostei de mocotó, mas me deu até vontade... um post digno do garotas de segunda!

olha, to te esperando lá em paraty, e sobre aquela historia do menu, acabou que ficou tarde demais, pela correria do fim de ano, enfim, tivemos que dar outro jeito. vamos falar mais pra frente

mas o convite pra conhecer o che e tomar um mojito está super de pé!

beijos

Unknown disse...

Otima ! Essa sua história foi bem especial!Já vi tantos nordestinos fazer a mesma coisa e nunca APERCEBI.
Fodasticamente incrível!
Valeu, excelente observação.

Regina Bui disse...

Rosane,
passei um orçamento irrecusável para este findi, tô esperando resposta. Se não formos agora iremos em janeiro, mas eu te aviso!
Tô morrendo de sede de tomar uma cerveja no CHE.
bjos

Val,
adorei o fodasticamente

Ita Andrade disse...

oi regina!
fiquei curiosa para provar esse mocoto> serà que uma criatura debil como eu seria capaz de fazer? acontece que ando caindo pelas tabelas e nem tenho caido na gandaia PASSA A RECEITA?

Regina Bui disse...

Olá Ita,
postei um link que mostra uma receitinha fácil - só não acho necessário colocar farinha. Mas depois de pronto você tem que convidar um baiano bonitão pra provar ahahahahahaha boa sorte!
bjs