DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

domingo, 20 de abril de 2008

O doce de cravo

Minha mãe sempre ganhava de uma vizinha um vidro com doce de abóbora em calda, ainda morno, feito na hora. Relutava em saboreá-lo, porque já conhecia a fórmula e o gosto, só de sentir o aroma. Havia um problema no doce de abóbora: tinha tantos cravos que o forte sabor encobria a leveza adocicada da grande senhora da terra. Como alertar a bondosa vizinha que o doce não parecia de abóbora, mas de cravos? Então eram dois os problemas.
Mas numa conversa de portão tudo foi resolvido. A vizinha agradecida confessou que enchia a mão de cravos para ferver com o doce e não se dava conta de quanto um hábito equivocado comprometia o resultado final. Fazemos muitas coisas na cozinha por hábito, mas sem razão. Óleo na água da massa, coentro demais como tempero, tomates levados à boca do fogão, folhas de salsão em exagero numa sopa.
A receita do doce era fácil; o feitio, automático, e essa falsa segurança cegava o paladar que, como conseqüência disso, era dispensado. Bem, o doce finalmente passou a ser de abóbora, com poucas unidades de cravo que o enfeitavam com discrição e cumpriam honestamente o seu papel.

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