DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

sábado, 13 de novembro de 2010

A época certa

Na casa toda, o cheiro do ar  mesclava-se de acordo com o impulso dos ventos: às vezes doce, às vezes salgado. Quando o vento era doce, tinha-se a impressão de que grudava na roupa, como ficavam os dedos da cozinheira enquanto preparava os damascos caramelizados. Quando era salgado, acusava escancaradamente os temperos e os segredos daquelas mãos.
Um labrador cor de mel com chocolate dormia espichado na entrada da cozinha. De quando em quando trepidava o queixo envelhecido, talvez reclamando em sonho o direito do maior osso dos assados. Depois suspirava lento e gemia a paz de causas ganhas.
Enquanto isso, a leitoa encrespava dos banhos de óleo quente.
A galinha dourava com brócolis, cenoura, batatas, pimentão vermelho e funcho – cada um colocado na assadeira a seu tempo.
A farofa estufava na manteiga quente e com ela as passas brancas amoleciam mais depressa que as azeitoninhas portuguesas. Quando mexida no tacho, parecia um mar revolto feito de areia escura.
As verduras da salada ganhavam vida e crocância em água gelada, enquanto esperavam o enxágue seguido de um mergulho novo: suco de dois limões-cravo, alecrim e azeite.
O arroz, esse era esquecido propositalmente, até que formasse no fundo da panela pesada uma casca alta e marrom, para deleite dos últimos da fila.
Que cheiro de Natal! Mas ainda era novembro. É que naquele lugar, ninguém perdia nenhum dia sequer e nem esperava data festiva para se banquetear.


Pintura: Albert Eckhout

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