DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O banquete eterno

Ela buscava o sabor por detrás dos remédios que são jogados nos pés das frutas ou nas almas das verduras e legumes. Então, sabia que a maçã colhida hoje num pomar caseiro tem o mesmo gosto de uma maçã colhida num pomar de dez séculos atrás.
Ao passear nas livrarias, não entendia por que as pessoas buscavam os livros de receitas das mais antigas – o jantar do Imperador, o banquete da Rainha – se os produtos encontrados hoje nos mercados prometem infidelidade no resultado final. Que o segredo não era encontrar a receita perfeita, mas ingredientes imaculados. Era possível sim, era possível na cidade grande, ter acesso a ingredientes imaculados para um jantar perfeito, embora desse um pouco mais de trabalho.
Mas não se importava com a pompa do jantar perfeito que tanto fascinava a todos. Tanto fazia a toalha e os guardanapos de linho, tanto fazia ter as taças de cristal. Não perdia tempo, enquanto o resto sonhava com a noite perfecta. Precisava de tanto elitismo para dar prazer ao paladar?
De quando em quando, deparava-se com os sabores mais que perfeitos e também eternos se encontrasse a coisa certa: uma castanha portuguesa mergulhada em mel de laranjeira, um naco de galinha caipira assada com manteiga de sálvia, uma arvorezinha de brócolis com azeite puro e sal, uma cenoura doce assada com vinho branco, a explosão da romã na boca ou a simples acidez do tamarindo forçando os olhos a se fecharem.
E nem a pressa ou qualquer preocupação lhe roubavam um momento desses de prazer. Ela não esperava um acontecimento secular, nem ficava sonhando com algo inacessível. Bastava escolher a dedo o que tinha de melhor. Dava um pouco de trabalho sim, mas o sonho do banquete inesquecível de outros se concretizava um pouquinho a cada dia.

Um comentário:

Nestor disse...

Que texto!!!
Nunca tive o privilégio de experimentar seus pratos. Em compensação me delicio com seus textos. São até terapeuticos.
Você pode não acreditar, mas garanto: hoje, depois de ter lido este, me senti tão bem que vou dormir melhor, restaurado.
Acho que vou sempre dar uma olhadinha antes de ir deitar, para ver se tem novidades e encerrar bem o dia.
Obrigado.
Nestor Carvalho
Seu fã - um paulista prazerosamente exilado em Maceió.