DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

domingo, 25 de julho de 2010

Estômago blindado, paladar de ferro

O que é que baianos, mexicanos e tailandeses têm em comum? Paixão por uma boa pimenta. Paixão que surgiu com o hábito? Porque para o povo dessas culturas, se comida não leva pimenta é rotulada de sem graça.
O Portal Terra publicou uma reportagem interessante sobre a pimenta mais forte do mundo, a buht jolokia, e uma escala de ardência entre as mais conhecidas. No filminho mostrado pelo site, a autora da matéria  experimentou a pimenta indiana e passou mal diante das câmeras.
Quem nunca ousou carregar a comida com uma pimenta forte, poderá estranhar a reação da repórter, mas a brincadeira é de arrancar lágrimas. Assim como marinheiros de primeira viagem em restaurantes japoneses que colocam de uma vez só um tantão de raiz-forte na boca, achando que se trata de purê de abacate.
Uma vez ministrei um curso de comida tailandesa, cujas receitas eram carregadas de curry daquele país. O curry tailandês, ao contrário do indiano que conhecemos por aqui, não é um pó amarelado e inofensivo. É uma pasta muito bem condimentada, feita de pimentas verdes, amarelas ou vermelhas. E das brabas.
Ao testar os pratos escolhidos, tive que diminuir das receitas originais 2/3 do curry para adaptá-los ao nosso paladar. E mesmo assim a experiência foi bem picante para muitos dos alunos.
Numa outra aula, a amiga mexicana Pilar veio nos ensinar a fazer Mole Poblano, o prato típico de Puebla - peru (ou frango) com chocolate. Quando a febre de chocolate com pimenta se instalou no Brasil por conta da novela, via nos programas de TV, culinaristas misturando chocolate ao leite com dedo-de-moça. Aquilo era café com leite. Além de ingredientes como nozes, amêndoas, amendoim, gergelim, canela, cravo em pó e outros, havia pelo menos três tipos das arretadas.
Pilar pediu que eu comprasse todos os tipos de pimenta que encontrasse nos supermercados e feiras, para que ela pudesse escolher as que melhor se adaptariam à receita original. E um pouco antes da aula ela de fato escolheu as variedades... comendo uma a uma, do mesmo jeito que a gente mastiga com prazer uma ponta de cenoura crua. Do mesmo jeito que fez a repórter, só que com a diferença de que a Pilar tem paladar adestrado para isso.
A Susana, uma baiana da gema, contou-me que quando as crianças deixam os peitos e as papinhas, começam a compartilhar os sabores pungentes com os adultos.
Podemos afirmar então, categoricamente, que se não for através do berço, a intimidade com uma boa pimenta se torna impraticável.

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