DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Etiqueta & Constrangimento


Sabe aquele momento difícil, quando o somellier lhe entrega uma carta de vinhos e você nem imagina o que pedir? Ou não quer gastar tanto com a bebida, mas fica constrangido em pedir um vinho mais em conta, sabendo que este poderá não combinar com a comida? Mais delicado ainda é o ritual feito na sua frente, após a chegada da garrafa, pois parece que o restaurante inteiro está avaliando se sabe degustar da maneira correta. Abro aqui este assunto falando pelas pessoas que se sentem desta maneira.
Por outro lado, um sommelier com quarenta anos de profissão confessou: “Sabemos de longe quem conhece bem, quem arrisca um pouco e quem não sabe nada sobre vinhos. Mas o pior é aquele que não entende e fala muito. Quer dar um de entendido e acaba fazendo feio.”
Mas afinal de contas, todo mundo agora precisa entender sobre vinhos? Claro que não, os profissionais que lhe servem também sabem disso.
De repente parece que a sociedade é dividida entre conhecedores de vinho e ignorantes. Ora, nós estamos falando de uma especialização tão complexa quanto uma cirurgia de coração. Será que todo mundo que se sente pressionado a dar uma opinião a respeito daquela safra proveniente de um tradicional vinhedo francês ou um recém-chegado australiano precisa se pronunciar?
Eu mesma, que esbarro na questão frequentemente, tenho um especialista como braço direito. Hoje, mais do que nunca, a harmonização de vinhos é muito mais complicada e imprevisível do que nos velhos tempos do “peixe combina com vinho branco e carne com vinho tinto”, por no mínimo dois motivos:
a cozinha contemporânea, que permite mesclar ingredientes e temperos do mundo todo, dita ordens muito específicas a respeito disso. É possível que uma carne de caça seja servida com determinado vinho branco, se o molho que a acompanha for composto de uma fruta cítrica e adocicada. Outras vezes o tempero é quem impera.
O segundo motivo seria a quantidade de novos rótulos que surgem por aí, com suas variações de cepas, assemblage, terroir... (como vocês podem ver, até a nomenclatura intimida).
“O ritual do vinho vai muito além da estética. A função do profissional é orientar os clientes”, afirmou uma consultora de vinhos.
Quem não é conhecedor de vinhos que fique à vontade quando senta à mesa, pois vinho é prazer e não dever. Deixemos o dever para profissionais.


Foto: Regina Bui

terça-feira, 23 de setembro de 2008

De volta para o passado

Eu sempre digo que Engenharia de Alimentos é o lado negro da Química. Tem gente que não me deixa mentir, falando coisas normais sobre comida. Essa matéria é da Folha de S. Paulo, aproveitem!

* * *

“Primeiro, coma comida. Depois, não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”
Se isso parece óbvio para você, diz o jornalista americano Michael Pollan,vá ao supermercado e tente imaginar uma dona-de-casa de meados do século 20tentando decifrar dezenas de rótulos com ingredientes impronunciáveis de “substâncias semelhantes à comida" nas gôndolas. Em seu novo livro, Em Defesa da Comida (editora Intrínseca), ele lança um ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação, que, ajudados por um governo americano complacente e por jornalistas confusos, transformaram a dieta ocidental em uma máquina de adoecer. Essa revolução maligna na maneira como os americanos - e, por tabela, o restodo Ocidente - comem se instalou plenamente anos 1980. Nessa década, diz o livro, os alimentos deixaram de ser vistos como entidades completas (uma cenoura, um tomate, um bife) e passaram a ser comercializados pelo que continham de nutrientes: caroteno, licopeno, proteínas. A indústria passou a "engenheirar" a comida de forma a torná-la irreconhecível, tudo em nome do lucro, disfarçado de benefício à saúde. Qual foi o resultado? "Nossa saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais diabetes", diz Pollan. O enfoque nos nutrientes, que teve seu início nos anos 1960, virou uma ideologia, o "nutricionismo". Segundo o americano, essa ideologia é baseada na "ciência ruim" da nutrição, que éincapaz de produzir resultados consistentes em estudos epidemiológicos sobre dieta. Isso porque os nutricionistas buscam avaliar nutrientes, mas um alimento é maior que a soma de suas partes. Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a condenação das gorduras saturadas de origem animal. No lugar delas, os nutricionistas nos deram asgorduras trans, que hoje o mundo inteiro - o Brasil inclusive - se esforça para banir. "Estaríamos melhor com banha de porco", disse Michael Pollan à Folha. (CLAUDIO ANGELO)
FOLHA - O sr. diz que a comida virou presa da ideologia. Como assim?
MICHAEL POLLAN - Meu argumento é que a maneira como pensamos sobre a comida e como desenhamos a comida hoje em dia caiu presa de uma ideologia que chamo de nutricionismo. O nutricionismo é a crença de que o que importa na comida são os nutrientes: as proteínas, os minerais, as vitaminas. E, se você obtiver o bastante dos bons nutrientes e ficar longe dos ruins, esse é ocaminho para a saúde. Essa é uma visão muito reducionista tanto da comida quanto da saúde. A comida é mais do que a soma de suas partes nutrientes. O propósito dessa ideologia é dar mais poder para a indústria da alimentação, porque ela consegue redesenhar a comida de uma maneira que a natureza não consegue, e dá também muito poder a especialistas na nossa sociedade, sejam cientistas ou jornalistas. A maior objeção é que pensar na comida dessa maneira não tem funcionado. Nós estamos reengenheirando a nossa comida há 30 anos para ter mais coisas boas e menos coisas ruins, mas a nossa saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais diabetes, e tirar da comida a gordura - supostamente um nutriente mau - não ajudou. Estamos comendo mais carboidratos e ficando mais gordos e diabéticos.
FOLHA - Então não há nada errado com a gordura?
POLLAN - Excesso de qualquer coisa é ruim, mas a gordura não é a vilã que achávamos que fosse. A gordura é um nutriente criticamente importante, e há gorduras boas e ruins. Jogar todas as gorduras no mesmo balaio foi um erro enorme. E afastar as pessoas das gorduras animais e aproximá-las de gorduras hidrogenadas vegetais também foi um erro. As gorduras trans fazem muito maismal.
FOLHA - O Ministério da Saúde do Brasil quer banir as gorduras trans, mas está enfrentando uma enorme resistência da indústria, que diz que isso seria "voltar à era da banha de porco". Isso é ruim?
POLLAN - Eu tenho duas respostas a isso: um, nós provavelmente estaríamos melhor com banha de porco do que com gorduras trans. Ela é mais saudável. Dois, há vários outros óleos vegetais que não precisam ser hidrogenados. É tudo uma questão de economia. Eles poderiam fazer batatas fritas com azeitede oliva e elas seriam deliciosas. Só que custariam mais. Ameaçar o público com o retorno da banha de porco, primeiro, não é tão assustador; segundo, não é verdade.
FOLHA - O público não está saturado com pesquisas sobre dieta? Hoje eu nem cubro mais estudos que dizem que o café faz mal ou bem, pois o próximo desmentirá o anterior.
POLLAN - Sim, é essa a situação do leitor hoje. Nós temos feito reportagens em excesso sobre uma ciência muito imperfeita. O estado do conhecimento nutricional é muito primitivo. Não sabemos o bastante para dizer se café faz bem ou mal...
FOLHA - Por que não dá para fazer estudos controlados com comida.
POLLAN - Exatamente. Você tem uma miríade de fatores, como estilo de vida, outras coisas que as pessoas comem, genética, etc. Então em que conhecimento podemos confiar? Meu argumento em "Em Defesa da Comida" é que nós temos uma outra forma de conhecimento, que é a tradição. A sabedoria das nossas avós. E, quando se trata de comida, essa sabedoria pode ser mais profunda e mais útil que a dos nutricionistas - até agora, pelo menos.
FOLHA - Por outro lado, alguém poderia argumentar que as nossas avós tinham um cardápio muito pouco variado, e elas também morriam, e mais cedo que as avós modernas, na média.
POLLAN - A maioria dos ganhos na expectativa de vida vieram da prevenção da mortalidade infantil até os cinco anos de idade. E também tivemos coisas como ponte de safena e novos remédios. Mas as taxas de obesidade e diabetes eram muito menores há cem anos do que são hoje. Sim, a ciência e a tecnologia têm ajudado a prolongar a vida, mas mas não por meio da dieta. A dieta tem trabalhado na direção oposta.
FOLHA - Seu livro é sobre como as pessoas comem nos EUA, mas a realidade de países como o Brasil é diferente. O que temos a ver com isso?
POLLAN - O jeito americano de comer está dominando o mundo. O Brasil e aArgentina estão rumando na direção da agricultura de forragem. Vocês estão arrasando seus campos naturais para plantar soja. E o que acontece com essa soja? Ela vira forragem barata para gado, que vira comida processada. Então, o hábito de ir ao supermercado, o hábito de ir ao fast-food, essas coisas estão se espalhando pelo mundo. Minha esperança ao publicar esse livro é que as pessoas que ainda não perderam sua cultura alimentar lutem mais para defendê-la contra a onda de fast-food.
FOLHA - O sr. defende um bocado a comida local e os orgânicos, que são a nova moda nos países ricos. Mas nós vivemos num mundo de mais de 6 bilhões de pessoas, e a agricultura precisa ser industrial e usar pesticidas em grande escala.
POLLAN - Pode ser que os orgânicos não sejam a resposta para o mundo inteiro, mas há modelos de agricultura em grande escala que não usam muito pesticida e são mais sustentáveis. Se você pensar na rotação que eles usam na Argentina, são cinco anos de gado no pasto e três anos de grãos, você pode produzir a melhor carne do mundo e três anos de grãos que podem ser plantados sem fertilizante e sem herbicidas.
FOLHA - Embora a Argentina tenha mergulhado de cabeça na soja transgênica...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Intercâmbio

Começou que a da Marília da Fuzuê vivia falando: “Rê, você precisa fazer um blog!” Adorei a idéia. Agitadinho, esse mundo dos blogs, não? Você vai pulando de lugar em lugar e acaba recebendo visitas, arrumando comadres e trocando ombros pra desabafar. Tudo virtual. Semana passada a Ita Andrade do Bicho-da-Seda indicou gentilmente Um Divã na Cozinha para o Prêmio Dardos (cuma?). E ontem, assim, de repente, a Rosane Queiroz do Garotas de Segunda pediu pra eu dar a cara pra bater. Eu dei, né? Já pensou essa mulherada ao vivo e a cores? Mamma mia!...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O Cardápio da Vez

Sabemos que ao longo da história a humanidade sofreu repressões que geraram culpa, como as de ordem religiosa e sexual. Uma sábia amiga sugeriu que a repressão do momento está ligada ao pacote “físico-estética-alimentação”.
A ordem é comer cinco quilos de alface com brócolis cru e cenoura ralada toda semana. E sem muito sal. Quando lemos num blog de comida a frase: “feijão com bacon”, uma luz vermelha se acende dentro do cérebro, avisando-nos de que é possível estarmos bem perto do perigo.
Pode ser absurdo, mas parece que de tempos em tempos um grande demônio é criado para nos desafiar a um duelo no final de cada dia. As aflições das gerações se repetem, só o tema muda.
E não é preciso ter uma bola de cristal para imaginar qual será a grande repressão do século XXII. Dormirão com culpa aqueles que tomarem mais que dois banhos por mês, os que desperdiçarem uma casca de banana ou os que expuserem seus bebês por mais de cinco minutos ao sol. Claro, porque a maioria dos terráqueos está preocupada com a tendência da moda do próximo inverno.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

C.O.M.I.D.A.

Não há quem não a deseje,
Não a cobice,
Não a pague.

Não há quem não a persiga,
E com ou sem caprichos,
A devore em segredo.

Não há quem não sacie a fome,
A gula, a ansiedade,
A carência.

Não há quem nela não sinta prazer.
E (infelizmente),
Culpa.