DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O paraíso

O moribundo em seu leito lamentava a vida equivocada que tecera durante os anos de sua existência. Ainda lhe restava um fiozinho de fôlego, que poderia durar um piscar lento de olhos, ou quem sabe, o tempo de assar um boi no rolete. Precisava achar uma solução para os erros, a burrice, a imaturidade e a incompetência que rotularam sua história. Mesmo sendo de bom coração, não se contentava por não ter conseguido sequer construir uma pilha de dois tijolos. Sentia-se um ninguém, uma mancha de óleo de batatas fritas num córrego límpido. Por alguns momentos tentava aceitar o papel de desgraçado que lhe fora designado, como acontece no universo teatral, mas nem convencido era de que o havia interpretado com louvores. O perfeito desgraçado. Um desgraçado bem sucedido. Nem isso. Desanimado, voltava à estaca zero e virava-se de lado, mas o corpo não o obedecia. Ah, se pudesse voltar e desculpar-se com quem encontrasse pela frente. Se pudesse, tentaria outros caminhos, alinharia os passos ou se esconderia num canto escuro para nunca mais atrapalhar o mundo.
Se pudesse voltar de verdade, acabaria com a vida no exato momento do parto - aproveitaria a oportunidade de um cordão umbilical e o enrolaria todinho em seu pescoço, muito bem apertadinho. Então pronto. Achada a solução, decidiu que finalmente podia morrer. E respirou aliviado. O paraíso era agora uma viagem ao passado para tornar-se novamente um embrião. Só precisava de um último sanduíche de mortadela

3 comentários:

Anita disse...

A aceitação de que somos o verdadeiro caos abre muitas possibilidades na vida.

Regina Bui disse...

Certamente. O caos gera criatividade ou desespero - ou as duas coisas! Estar no meio dele pode ser uma arte ou um desastre!
(Se é que ele existe fora de nossas cabeças...)

Anônimo disse...

Só precisava de um último sanduíche de mortadela
Com certeza antes do fim ...um último sanduíche , íche, íche...rs rs
Muito bom!
Bjs
mineira