Dentro do plástico, resistente a mordida de cães ou andarilhos, encontravam-se desmaiadas pelo calor fatal de um cozimento lento, algumas rodelas de cebola. Também umas cascas rasgadas de bananas - surpreendente seria se as cascas estivessem inteiras e ocas por dentro, como se pudessem seus conteúdos serem arrebatados ilesos, sem o preço do sofrimento físico, coisa que esperamos acontecer com nossas almas. Havia gorduras separadas de uma carne, os pecados rejeitados dela, um pedaço de pão umedecido pelo suor da mesma cebola, que já ia deslizando, afetada diretamente pela oleosidade da gordura. Um sugando e outro contaminando, como é a vida. Revirando mais um pouco viam-se ossos lisos de tão raspados, até o último vestígio de sabor, mas agora, não tendo nem por onde gritar, descansavam em paz. Bagaços retorcidos de uma laranja sugada misturavam-se ao que antes lhe servia de roupa, as tiras cítricas e agora secas que anteriormente coladas os protegiam, os gomos, tão orgulhosos e inchados de seu suco. Curiosamente achava-se também, intocado, nem por um fio de óleo ou lâmina de uma faca, um pequeno peixe. Este passou pela vida e foi aproveitado só para o bolso do pescador. Que morte indigna teve o peixe, arrancado do mar e sepultado na mesma terra que haverá de comer todo o resto: nem cães, nem andarilhos comerão, somente a terra haverá de digerir. Imortal, apenas o plástico.
DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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6 comentários:
Imortal tambem a sua alma.
Sei lá, não faço parte de nenhuma dessas religiões que prometem o céu... mas se isso é uma profecia sua, ai que medo, pq sei que vc é bruxa! ahahahah
Sem medo do fogo nem esperança no paraíso, imortal simplesmente.
Sou bruxa sim, mas como vc descobriu? hahahaha
ah, nega, entrelinhas, entrelinhas...
muito bom. adorei esse espaço gastropoético. parabéns pelas palavras e receitas!
Lucão, que surpresa te encontrar aqui. Achei que só nas festas de Monte Sião...
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