DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Alimentação para cães e gatos

Para quem acha que seu cão, como nos desenhos animados, deve se alimentar diariamente de um bifão, e seu gato, de um delicioso peixe para lamber até as espinhas, não pode deixar de ler de cabo a rabo o site Cachorro Verde. E bom apetite para os bichanos!

domingo, 25 de julho de 2010

Estômago blindado, paladar de ferro

O que é que baianos, mexicanos e tailandeses têm em comum? Paixão por uma boa pimenta. Paixão que surgiu com o hábito? Porque para o povo dessas culturas, se comida não leva pimenta é rotulada de sem graça.
O Portal Terra publicou uma reportagem interessante sobre a pimenta mais forte do mundo, a buht jolokia, e uma escala de ardência entre as mais conhecidas. No filminho mostrado pelo site, a autora da matéria  experimentou a pimenta indiana e passou mal diante das câmeras.
Quem nunca ousou carregar a comida com uma pimenta forte, poderá estranhar a reação da repórter, mas a brincadeira é de arrancar lágrimas. Assim como marinheiros de primeira viagem em restaurantes japoneses que colocam de uma vez só um tantão de raiz-forte na boca, achando que se trata de purê de abacate.
Uma vez ministrei um curso de comida tailandesa, cujas receitas eram carregadas de curry daquele país. O curry tailandês, ao contrário do indiano que conhecemos por aqui, não é um pó amarelado e inofensivo. É uma pasta muito bem condimentada, feita de pimentas verdes, amarelas ou vermelhas. E das brabas.
Ao testar os pratos escolhidos, tive que diminuir das receitas originais 2/3 do curry para adaptá-los ao nosso paladar. E mesmo assim a experiência foi bem picante para muitos dos alunos.
Numa outra aula, a amiga mexicana Pilar veio nos ensinar a fazer Mole Poblano, o prato típico de Puebla - peru (ou frango) com chocolate. Quando a febre de chocolate com pimenta se instalou no Brasil por conta da novela, via nos programas de TV, culinaristas misturando chocolate ao leite com dedo-de-moça. Aquilo era café com leite. Além de ingredientes como nozes, amêndoas, amendoim, gergelim, canela, cravo em pó e outros, havia pelo menos três tipos das arretadas.
Pilar pediu que eu comprasse todos os tipos de pimenta que encontrasse nos supermercados e feiras, para que ela pudesse escolher as que melhor se adaptariam à receita original. E um pouco antes da aula ela de fato escolheu as variedades... comendo uma a uma, do mesmo jeito que a gente mastiga com prazer uma ponta de cenoura crua. Do mesmo jeito que fez a repórter, só que com a diferença de que a Pilar tem paladar adestrado para isso.
A Susana, uma baiana da gema, contou-me que quando as crianças deixam os peitos e as papinhas, começam a compartilhar os sabores pungentes com os adultos.
Podemos afirmar então, categoricamente, que se não for através do berço, a intimidade com uma boa pimenta se torna impraticável.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Leminski na cozinha


   lá fora e no alto
o céu fazia
   todas as estrelas que podia

   na cozinha
debaixo da lâmpada
   minha mãe escolhia
feijão e arroz
   andrômeda para cá
altair para lá
   sirius para cá
estrela dalva para lá

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O bolso acima da estética e da ética

Quando Alex Atala, o chef mais famoso do Brasil, aparece fazendo propaganda do caldo de galinha Knorr, ocorre no Universo um estrago de igual proporção, caso fosse um Machado de Assis vendendo livros do Paulo Coelho.
Tive o prazer de trabalhar com o Atala num evento da Varig, no extinto Ristorante Cirò, no interior de São Paulo, há alguns anos, assim como já estagiei na cozinha de seu restaurante D.O.M. Ele de fato é uma das pessoas mais simpáticas do meio da esnobe gastronomia. Mas nem por isso meu texto será menos cruel.
Logo ele, que tanto preza a filosofia de Savarin e Carême, vem prometer num discurso remunerado, evolução e revolução em cima de um tempero industrializado?
Péssimos aditivos alimentares, como o GLUTAMATO MONOSSÓDICO e INOSINATO DISSÓDICO, que fazem parte da listinha negra dos médicos por causarem danos à saúde – infantil principalmente – estão incluídos nos tabletes, nos pozinhos mágicos e agora nas gelatinas em forma de caldo.
Talvez a preocupação com a saúde não seja o forte da gastronomia, considerando o uso frequente (e menos excessivo de uns tempos pra cá) de manteiga e creme de leite por exemplo, mesmo porque não é ela que dita a comida do dia-a-dia do brasileiro.
Mas qualquer um que esteja minimamente envolvido com essa área sabe que o pecado número um cometido por um chef, repreendido por eles mesmos, seria mascarar sua arte com um tempero fabricado e artificial.
E verdadeiras antas são os fabricantes desses produtos. OPS! Perdoe-me o leitor por um momento de desequilíbrio emocional. Corrijo: verdadeiras antas são os consumidores desses produtos, incluindo meus amigos e familiares. Verdadeiras antas os que fazem uso de artifícios industrializados na comida. O que garanto não ser o caso de Alex Atala.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O banquete eterno

Ela buscava o sabor por detrás dos remédios que são jogados nos pés das frutas ou nas almas das verduras e legumes. Então, sabia que a maçã colhida hoje num pomar caseiro tem o mesmo gosto de uma maçã colhida num pomar de dez séculos atrás.
Ao passear nas livrarias, não entendia por que as pessoas buscavam os livros de receitas das mais antigas – o jantar do Imperador, o banquete da Rainha – se os produtos encontrados hoje nos mercados prometem infidelidade no resultado final. Que o segredo não era encontrar a receita perfeita, mas ingredientes imaculados. Era possível sim, era possível na cidade grande, ter acesso a ingredientes imaculados para um jantar perfeito, embora desse um pouco mais de trabalho.
Mas não se importava com a pompa do jantar perfeito que tanto fascinava a todos. Tanto fazia a toalha e os guardanapos de linho, tanto fazia ter as taças de cristal. Não perdia tempo, enquanto o resto sonhava com a noite perfecta. Precisava de tanto elitismo para dar prazer ao paladar?
De quando em quando, deparava-se com os sabores mais que perfeitos e também eternos se encontrasse a coisa certa: uma castanha portuguesa mergulhada em mel de laranjeira, um naco de galinha caipira assada com manteiga de sálvia, uma arvorezinha de brócolis com azeite puro e sal, uma cenoura doce assada com vinho branco, a explosão da romã na boca ou a simples acidez do tamarindo forçando os olhos a se fecharem.
E nem a pressa ou qualquer preocupação lhe roubavam um momento desses de prazer. Ela não esperava um acontecimento secular, nem ficava sonhando com algo inacessível. Bastava escolher a dedo o que tinha de melhor. Dava um pouco de trabalho sim, mas o sonho do banquete inesquecível de outros se concretizava um pouquinho a cada dia.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Tudo em nome da tradição


Será que se São Firmino fosse vivo, proporia nas ruas de Pamplona, na Espanha, entre disparos de morteiros e chupinazos, um festival invertido e regado a vinho, em que o povo seria conduzido até a arena por uma centena de manada de touros zombeteiros e loucos?

terça-feira, 6 de julho de 2010

Amares

Nos amávamos rodando pelo espaço e éramos uma bolinha de carne saborosa e suculenta, uma única bolinha quente que resplandecia e jorrava aromas e vapores enquanto dava voltas e voltas pelo sonho de Helena e pelo espaço infinito e rodando caía, suavemente caía, até parar no fundo de uma grande salada. E lá ficava, aquela bolinha que éramos ela e eu; e lá no fundo da salada víamos o céu. Surgíamos a duras penas através da folhagem cerrada das alfaces, dos ramos do aipo e do bosque de salsa, e conseguíamos ver algumas estrelas que andavam navegando no mais distante da noite.

EDUARDO GALEANO - O LIVRO DOS ABRAÇOS