DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Make-a-wish

Fiquei emocionada ao conhecer o trabalho desta ONG realizadora de sonhos de crianças que sofrem com doenças graves. O Gabriel tornou-se mini-policial por um dia, a Letícia quis conhecer a praia. Já o sonho de Nina, de 16 anos, é ser chef de cozinha. Quem abriu as portas de seu restaurante para recebê-la? Ninguém menos do que o generosíssimo Alex Atala. Acompanhe a história: http://www.makeawish.org.br/galerias/nina/nina.htm

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um hábito não é uma necessidade

Gosto desta frase. Ela se aplica muito bem às manias que temos na cozinha, ou porque aprendemos assim desde sempre, ou porque acreditamos em propagandas. O uso freqüente de caldos e porçõezinhas mágicas de temperos químicos e industrializados na comida é um bom exemplo. Um tablete de caldo de legumes para dar sabor aos legumes é algo que uma dona-de-casa do início do século passado acharia estranho. Um tablete de caldo de peixe para dar mais sabor ao peixe, idem. A propaganda está dizendo que você é incompetente e que a natureza criou tudo com gosto de absolutamente nada. Crianças e adultos vão se acostumando tanto aos sabores plastificados, condimentados e reinventados, que quando comem a comida temperada naturalmente, com sal e ervas frescas, estranham e acham tudo sem gosto. E quantos quilos ingerem desses artifícios por ano? Depois dizem que bacon faz mal à saúde. Mandioquinha tem seu sabor próprio, assim como a carne, a escarola, a cenoura e o feijão. Precisa de mais?

domingo, 26 de julho de 2009

A berinjela

Torta como era, desencaixada e fora de padrão das demais, sentia-se o patinho feio da espécie, com a desesperança de que sabia que não pertencia à uma outra. Insatisfeita, afeiçoava-se às bananas: se era tão curva e magra, por que é que não fazia parte daquele grupo? Mas existem escolhas que a vida não nos dá. E cresceu infeliz como tinha de ser, como faz a aflição dos excluídos. Um dia foi comprada com mais cinco e pela primeira vez sentiu-se desejada. Não era a primeira vez que a notavam, isso até em exagero, desde sempre. Mas agora era desejo de vontade, desejo salivado. Depois de confinadas e tratadas de igual modo por uma força maior, viraram cubos, centenas deles do mesmo tamanho sobre a tábua. Embaralharam-se. E viraram uma coisa única na panela, elas cortadas em formas iguais, como o universo e seus fragmentos mais invisíveis fazendo parte de uma consciência divina. Se soubesse que ia parar no mesmo lugar que as outras, não teria a berinjela deixado de olhar a vida.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Maçã

Nasceu com a polpa para o lado de fora e as sementes enfeitavam a superfície farinhenta, adocicada e azeda como é a consistência da maçã. Por dentro o crocante da casca se quebraria ao encontro dos dentes. Nada mais.
Ingênua, foi arrancada do pé imatura e chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram tanto a maçã, que da casca fizeram polpa e da polpa fizeram casca, porém nada se descobriu.
Descontentes, arrancaram a macieira, que chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram a macieira, que dos galhos fizeram tronco e do tronco fizeram galhos, porém nada se descobriu.
Descontentes, arrancaram toda a terra que rodeava a macieira, que chamou a atenção do mundo, de vidro em vidro, de mão em mão, de teste em teste, de opinião em opinião, de foto em foto. Reviraram a terra toda como permite as ferramentas da ciência, porém nada se descobriu. A partir daí ninguém mais se pronunciou. Só haviam se esquecido de revirar os céus. O tempo da maçã passou, apodreceu, nem degustada foi.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A delicada e o truculento

Continuando na onda de sopas, já que o frio nem pensa em fazer as malas e nos deixar, quero compartilhar com o querido leitor mais uma idéia boa de um creme prático, um dos meus preferidos, daqueles de aquecer as canelas.
Como sabemos, existem vários tipos de abóbora, uma ideal para cada tipo de receita. Aquela imensa de pescoção, deixemos para fazer doce. Ela é aguada e por isso fica horas e horas apurando com o açúcar no tacho. Por essa mesma razão é impossível usá-la para fazer nhoque, por exemplo. Nesse caso é melhor a cabotian ou a de pescocinho - a abóbora paulista da casca esverdeada - que são mais massudas. A moranga, aquela das festas de Halloween, é própria para receber um bom creme de camarão com catupiry, o clássico. Para um quibebe, qualquer uma vai bem. Mas aqui nada é regra, apenas o bom senso indicando o que é melhor.
Gosto de fazer um creme com a paulista ou a cabotian, por serem mais adocicadas também. Fervo a abóbora em pedaços e depois retiro as sementes e a casca, bem mais fácil. Depois bato no liquidificador com um mínimo de leite ou água. Um mínimo, só para formar o creme. De volta à panela, deixo ferver e coloco uma pitada de sal, mas nada de sufocar o mel delicado e natural da abóbora. Pronto.
À parte, misturo um pedaço de gorgonzola com um pingo de creme de leite, amassados com um garfo. Sirvo o creme quente no prato e coloco uma colherada da pasta de queijo no meio. Para decorar, umas folhas frescas de salsa.
A emoção de apreciar esse prato não se limita somente ao sabor, mas ao equilíbrio que você mescla em cada colherada: um pouco do creme e um tantinho do corpulento gorgonzola para contrastar.

Foto: Regina Bui

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Creme de palmito

Simples de se fazer, mas você pode ser aplaudido em pé ou estragar o jantar de seu convidado se não souber prepará-lo.
Fico profundamente irritada quando sinto gosto de farinha ou de maisena a cada colherada que desce. Algumas dessas padarias-boutique estreladas oferecem no inverno cremes e sopas para encorajar o público a sair de casa e tomar algo quente, algo que esteja além de um capuccino duplo. Você chega na frente do buffet e se depara com quatro ou cinco tipos de sopas charmosas e convidativas. E a de palmito está sempre lá. Confesso que nesse caso nunca vou com tanta sede ao pote. Começo colocando apenas uma concha no prato para experimentar. Se gostar, sirvo-me de mais.
Acontece, querido leitor, que existem maneiras e maneiras de engrossar um creme com farinha, se preciso for, pois há quem prefira acrescentar mais palmito no liquidificador para dar a consistência ao prato.
A maneira mais correta de usar esse espessante para caldos e cremes é misturar farinha com manteiga derretida (na quantidade que desejar), até formar uma pasta não muito mole, e refogar em fogo baixo, mexendo sempre, para que a farinha cozinhe bem por alguns minutos. Essa mistura chama-se roux, muito usada em restaurantes. Assim que o caldo ou o creme estiverem borbulhando na panela, acrescente um pouco de roux, dissolva bem e espere encorpar.
São três as vantagens do uso do roux: você pode guardar a pasta na geladeira por uns dias, não empelota e o sabor da farinha fica super escondidinho. Bom fim de semana!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Tá chovendo hambúrguer

Assistindo a ERA DO GELO III (esses desenhos em 3D, definitivamente não são só para crianças), vi o trailer desse outro desenho genial, que promete:

terça-feira, 14 de julho de 2009

Marilyn Repolho e Mona Tofu

Uma artista chinesa uniu o útil ao agradável: refez algumas das pinturas mais famosas com verduras e legumes. Isso também é cultura! CLIQUE AQUI

domingo, 12 de julho de 2009

A fome de Inacinho

Inácio, ou Inacinho, como era chamado pelos mais velhos, era feliz em sua simplicidade. Não tinha ambições e nem desejos impossíveis. Vivia num vilarejo do fim do mundo, sem contato nenhum com o restante inchado do planeta que o rodeava. E se não conhecia coisas grandiosas, como cobiçá-las? É simples de explicar, usando como exemplo o formato singelo de sua fome: Inacinho cresceu chupando cana, comendo banana, arroz, feijão, chicória, farinha e algumas variedades a mais oferecidas pelo pequeno pedaço de terra onde vivia - quando sentia um desejo imenso de comer uma coisa gostosa, aquela fome de abocanhar o mundo, era um docinho de milho daqui, uma galinha ensopada dali. E dormia satisfeito, sem imaginar e consequentemente sem nunca ter salivado ou se vangloriado por uma receita original de Tarte Tatin ou um impertigado filé de carne de kobe.

Foto: Regina Bui

sábado, 11 de julho de 2009

Sem remédio

Queridos leitores, andei doente. Há dois meses uma gripe tenta me derrubar. Ia de encontro à ela, dava uma cacetada de vitamina C e continuava em frente. Mas dessa vez a coisa foi feia. Febre, tosse, dor no corpo dos pés à cabeça e tudo de mais ruim que poderia ter acontecido. Hoje começo a melhorar, após uma semana, literalmente dormindo, a base de antigripais, xaropes e analgésigos. Se é suína? Sei não, também não tenho coragem de saber - a gente nunca acha que isso acontece com a gente. Mas a culpa não é do frio não, é toda minha. Ando me alimentando mal. Sem frutas, verduras e legumes como deveria, como acontece quando temos as mães por perto. Fazer o quê. Casa de ferreiro, espeto de pau!

sábado, 4 de julho de 2009

Sábado

Umidade fresca no ar. Do chão dos pastos ao encardido das telhas velhas. Manhã de nuvens lavadas e alvas, que quase se sacudiam como fazem os passarinhos molhados.
Como todos os dias, não havia emoção no leite ou no café, ou no bule que o levava quente. A emoção se dava na riqueza do paladar de cada um.
Um tanto de massa está sendo sovada. Passa pela estreiteza do cilindro do mesmo jeito que a vida nos prova, uma, duas, infinitas vezes, até ficar do agrado do criador. Ninguém diria que aquilo era só farinha e ovo - ninguém diria que do pó fomos feitos.
A massa amarela descansa e espera com a mesma presteza de toda comida, mas não sabe que outras provações virão.
Dinda rasga desfiadinho um pedaço de pernil, assado na madrugada sobre as brasas do fogão adormecido. A carne absorveu a essência dos temperos e deixou-se dominar. Ela e os outros sabores eram agora uma coisa só: um recheio digno de ser abraçado.
Em pequenos quadrados, a massa envelopa - pelas mãos de Dinda - o pernil pronto transformado em centenas de pequenos tantinhos.
Os raviólis de pernil estufam na água quente enquanto o molho vermelho ferve calmo e macio na panela grande ao lado. Na mesa, travessa fria, salada fresca: pedaços não menos carnudos de palmito intercalados com brotinhos de erva-doce.
Prato do dia: emoção.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O presente

Nós da cozinha sempre chegamos muito cedo aos eventos: aquele jantar estava marcado para as vinte e trinta. A anfitriã, não sei se por nervosismo ou sossego demais, apreciava um Royal Salute em pleno pôr-do-sol. Alegre e esfuziante pela noite especial que estava por acontecer, preparava-se para receber os seis convidados que escolhera a dedo.
A sala do jantar, que já era aconchegante, ia tomando cara de restaurante dos sonhos: as flores fotogenicamente arrumadas; a toalha de mesa impecavelmente engomada; os talheres reluzentemente lustrosos; as taças com ar de fragilidade, que pareciam nos convidar a protegê-las com a mais sutil delicadeza; guardanapos dobrados como pelas mãos de um estilista; baldes de gelo estrategicamente colocados e um quase imperceptível cheiro de lavanda no ar.
O garçon repassava a sequência de vinhos que acompanharia os pratos do cardápio. Na cozinha, o cenário completo de sempre, o som das facas, dos pacotes, das latas e o vapor das panelas que subiam, levando para todos os cantos o aroma de cada ingrediente.
E assim tudo começou. Cada convidado que chegava dava um pulo na cozinha, falava um “oizinho”, xeretava carinhosamente o ambiente, contava sobre uma receita qualquer e voltava para a sala de forma muito descontraída.
Aquela noite parece ter sido interminável, deliciosamente interminável. Pratos cheios eram levados da cozinha para a sala e garrafas vazias de lá voltavam.
Altas horas a elegante e badalada anfitriã entra na cozinha pé ante pé, naquele velho e conhecido entorpecimento etílico e procura nos armários alguma coisa. Abre uma lata linda daquelas importadas de bolachinhas banhadas em chocolate e, ali mesmo, em pé como se tivesse ordenado que o tempo parasse ou como se estivesse sozinha naquela casa imensa, come de olhos fechados em seu infinito prazer, uma a uma.
Um pedaço da noite ainda restava. Depois da pausa pós-jantar ainda viriam os licores, a sobremesa e o café. Segundo tempo: de volta à mesa os preparativos para o gran finale saía, e na cozinha, às pressas, entra uma convidada eufórica e pede: “deixei por aqui uma lata de bolachinhas para fazer surpresa, alguém viu?”