DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

terça-feira, 24 de junho de 2008

A comida na literatura

Minha amiga Tati Fadel, professora de literatura e revisora oficial das abobrinhas que escrevo, publicou num jornal de Campinas o banquete de palavras que segue:
* * *
Eu sei que “nem só de pão vive o homem”. Também já me disseram incontáveis vezes que “os livros são o pão do espírito”. E é claro que entendo que o pão de que essas máximas repetidas à exaustão falam não é exatamente o pão que a cada dia mastigo junto ao café: são referências à necessidade humana de alimentar a alma. Mas queria agora fazer uma espécie de inversão dessa metáfora, e falar da relação visceral que encontro entre literatura e comida.
A cozinha pode ser cenário para boas histórias, algumas inclusive transformadas em filmes bastante saborosos. A Festa de Babette, por exemplo, é originalmente um romance da escritora dinamarquesa Isak Dinesen. Assim como o filme, o livro provoca reações imediatas de nossas glândulas salivares: a comida ricamente servida numa gélida aldeia da Dinamarca pela sofisticada francesa Babette enche os olhos, o estômago e o espírito dos amargos comensais com a mais divina alegria (creio que não é à toa que quase todos os ritos religiosos, de qualquer cultura, trazem a comida como metáfora da divindade: do pão e vinho dos cristãos às exóticas comidas dos orixás africanos, o que alimenta a alma toma forma na cozinha).
Eu me recordo de um livro favorito da infância, O Jovem Fazendeiro, que descrevia almoços e jantares fartos de uma família de pioneiros norte-americanos. Lembro com que gula e avidez relia as páginas que falavam de coisas que nunca chegaria a provar: picles de casca de melancia, açúcar-cande, tortas de abóbora, e mil sabores que podia apenas imaginar.
Mais tarde, descobri que a literatura, além de encher minha cabeça de idéias e interpretações do universo, era habilmente capaz de me abrir o apetite. Carneiro, por exemplo, nunca me apetecera, até que eu lesse a Ilíada. Pronto: terminada a leitura, lá estava eu, enlouquecida por aquele animalzinho tostado na brasa, tal qual Zeus pedia em sacrifício. Se era o que os heróis gregos comiam, era o que meu estômago desejava. Recentemente, lendo o clássico A cidade e as Serras, de Eça de Queirós, mal pude acreditar nas fantasias gastronômicas que povoaram minha mente quando o aristocrata Jacinto degusta uma sequência de pratos portugueses que o tiram de um inapetência entediada de anos e anos.
Eis a questão central que se coloca, então: se, quando tratam de comida, as palavras são capazes de provocar essas reações orgânicas, físicas, intensas e deliciosas, será que também não são capazes de provocar outras transformações, de outra ordem, quando tratam de outros temas? Este seria então o pão do espírito – as palavras que provocam amor quando falam de amor.
Palavras são mágicas e constroem o mundo, além de meramente representá-lo. Não estava com fome antes de ler sobre comida: os livros construíram a minha fome. Seriam então eles capazes de construir a minha paz, o meu delírio, o meu amor? Se assim for – o que desejo de verdade – mais que nunca, cuidemos da qualidade do pão do nosso espírito: que ele não esteja jamais embolorado.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

C H O C O L A T E

Nem pensar em escrever aqui sobre a plantação do cacau e a história do chocolate com suas propriedades nutritivas.
Alguém se lembra desses tópicos quando coloca na boca uma colherada daquelas bem fofas de mousse, quando bebe uma xícara de chocolate quente e engrossado com creme de leite ou quando morde uma trufa recheada de nozes? Ninguém, a não ser que esteja querendo puxar papo (muito chato por sinal) por falta de assunto. Não há necessidade alguma de existir um papo quando se degusta um chocolate. Basta fechar os olhos.
E as misturas que o chocolate permite que façamos brutalmente a sangue frio? Já experimentou colocar na boca um pedaço de chocolate, tomar um gole de Amarula e em seguida outro de café? E o contrário? Café, chocolate e Amarula? Amarula, chocolate, café? Agora pegue um Drambuie e refaça as combinações...ai meu Deus!
Perdi as contas de quantas vezes assisti ao original da Fantástica Fábrica de Chocolate na Sessão da Tarde, com o Gene Wilder. Um rio de chocolate, o que era aquilo pra uma criança que detestava as sopas do jantar? O maior sonho de consumo que poderia caber num estômago.
Por falar em infância, lembrei que não bebo mais leite, mas continuo comprando Ovomaltine, uma perdição.
Outro dia no carro abri uma caixinha de passas ao chocolate da PAN (as de “cognac” havia devorado um dia antes). Estavam amolecidas e grudadas dentro do saquinho pelo calor do ambiente e não tive a opção de comer uma por uma. Imagine: em apenas três mordidas comi a massa de bolinhas amancebadas, que acabavam de derreter enquanto mastigava lentamente (só não podia fechar os olhos, estava dirigindo).
Quando como chocolate chego a sentir o paraíso ao meu redor. Uma Nhá Benta da Kopenhagen é o paraíso mais os anjos todos cantando ao meu redor.
Mas não é preciso comprar a loja da Godiva para ser feliz, basta considerar que tem hora pra tudo, inclusive comer guloseimas hidrogenadas no trânsito ou no cinema.
Lábios hidratados pelo chocolate... Não é uma ótima estratégia para dispensar os batonzinhos amanteigados? Iracema, a virgem dos lábios de mel, não sabe o que perdeu!
Benditas sejam as plantações de cacau e a história do chocolate, mas eu deixo para os que gostam de falar de boca cheia.

sábado, 7 de junho de 2008

E para o Dia dos Namorados?


Olha, não tem dia mais corrido e confuso nos bastidores dos restaurantes do que o Dia dos Namorados. Muitos deles não se estruturam direito, querem a casa lotada e não respeitam nem mesmo quando o cliente faz reserva antecipadamente.
Por outro lado é sempre muito bom sair pra comemorar com a pessoa amada e curtir uma mesa farta e rica de sabores diversos.
Mas a opção de fazer um jantar surpreendente em casa fica fora de questão? Muitos não arriscam por não ter idéias de preparar coisas gostosas e ao mesmo tempo fáceis.
Quero encorajá-lo, caro leitor blogueiro, a colocar a mão na massa caso não queira passar nervoso em bares e restaurantes que preferem que você peça a conta rapidinho, juntamente com a sobremesa e o café.
Então comece pensando no ambiente do jantar. Compre velas e flores, troque a lâmpada do abajur por uma mais fraca e peça ao seu grande amor que providencie uma seleção de músicas apropriadas. Vamos ao cardápio.
De entrada você pode fazer, inclusive com antecedência, um caldo de mix de cogumelos picados, temperado com um pouco de vinho branco e sal. Para finalizar e dar um charme todo especial, coloque delicadamente algumas gemas inteiras de ovinhos de codorna (separe com cuidado das claras para não quebrar) e deixe cozinhar por 1 minuto. Outra opção é uma sopa de mandioquinha com creme de leite fresco e sal. Nesta, salpique folhas picadinhas de coentro ou de cheiro verde para decorar.
No segunda entrada, monte no centro dos pratos um mini buquê de folhas de alface crespa, rúcula e radicchio. Tempere com azeite, sal, limão siciliano ou vinagre balsâmico. Isso agrada a gregos e troianos, não? Para acompanhar e adornar a salada, escolha um ingrediente como tomatinho cereja, queijo de cabra em bolinhas, aspargos frescos cozidos ou coração de alcachofra. Se quiser algo mais ousado para acompanhar somente as folhas, decore com alguns gomos de fruta do conde ou lichia, que combinam com um vinagre frutado no lugar do balsâmico e do limão.
O prato principal deve ser rápido e simples de preparar, sem que você fique cheirando a fritura ou a algum tipo de cozido. O que acha da idéia de um penne com salmão defumado (que praticamente vem pronto)? Assim que a massa estiver al dente, o salmão deve estar picado e ligeiramente refogado em uma frigideira com azeite de oliva extra virgem e endro (dill) fresco. Qualquer coisa pode substituir o salmão. Camarões rosa, mix de cogumelos (caso não sirva o primeiro caldo de entrada), pesto de rúcula com macadâmia e palmito pupunha com erva doce. E que tal um risoto italiano no lugar da massa, usando essas mesmas opções de ingredientes?
Para a sobremesa, mais simples e delicioso impossível: sorvete de chocolate branco com calda de frutas vermelhas (cozinhe em fogo baixo a polpa com um pouco de açúcar) e lascas gigantes de chocolate ao leite para finalizar o prato.
Amado leitor blogueiro, garanto que depois de um jantar desses, desagradável mesmo ficará somente a louça para lavar no dia seguinte se você não tiver quem o faça. Mas isso não tem pressa.
Bom apetite!


Foto: Regina Bui

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Coq au Vin

E por falar em carne rija com vinho, onde é que eu encontraria um galo se quisesse fazer essa clássica e velha receita? Só se eu percorresse os sítios das redondezas de onde moro. Mesmo assim estaria correndo o risco de levar um tiro de sal na bunda, pois por aqui os galos não são criados para morrer na panela. Carne de galo é muito dura mesmo, mas sendo a estrela principal desse famoso prato, fica horas e horas no fogo até ser degustado. Aqui no Brasil não tem muita popularidade e o frango comum acaba substituindo o pomposo rei da galinhada quando alguém resolve reproduzir a receita com o vinho tinto.
Independente do seu sabor, o galo para mim é um dos bichos caseiros mais interessantes que existem e, por coincidência, meu signo no horóscopo chinês. Além da beleza estética e de seus arrogantes penachos é possuidor de uma altivez natural e ao mesmo tempo tão frágil - mas disto ele não sabe. A sorte dele é que ninguém liga pra ele a não ser as galinhas de seu terreiro, então, ele que fique de bico calado caso esteja insatisfeito por madrugar, porque Coq au Vin está praticamente esquecido dos cardápios da gastronomia de hoje. Azar nosso!