DISCURSOS GASTRONÔMICOS E MACARRÔNICOS

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Na comida, menos é mais!


No início de uma aula sobre carne uma aluna desabafou: “eu sempre coloco vários temperos na carne mas nunca consigo sentir o sabor dela.” E eu perguntei: “você já experimentou não colocar nada mais além do sal?” Temperos, muitas vezes não são soluções corretas para realçar o sabor. Se não houver bom senso eles acabam mascarando a essência do ingrediente principal. Carnes em geral não devem levar uma mistura de temperos sem que exista um objetivo. Isso também vale para aves e peixes. Se fritos, grelhados ou assados, que sejam temperados apenas com sal e no máximo pimenta-do-reino moída na hora. Ponto. Se acompanhados de um molho, este é o que lhe dará uma identidade. E este molho não se resume a uma mistura de coisas, ele também deve ter uma proposta clara. Usando uma base e um sabor você faz um molho que tenha um "nome" para acompanhar a carne escolhida e preparada. Como a tradicional mostarda Dijon por exemplo, diluída apenas no creme de leite. Ou as populares alcaparras na manteiga, o delicioso shitake no azeite e o irresistível vinho tinto reduzido com caldo de carne. Simples. Como a vida.


Foto: Regina Bui

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Albino & Almir

Meu avô Albino era maitre, numa época em que não havia glamour na gastronomia, nem revistas especializadas no assunto e muito menos programas de televisão que valorizassem os profissionais da cozinha, onde chef era chamado de mestre-cuca. De maneira impecável fez carreira nos restaurantes paulistanos e realizava seu trabalho com discrição, cuidando de sua aparência e postura. Cozinhava como ninguém e entendia demais do que fazia.
Hoje permanece a mesma rigidez ou mais dos profissionais da área porém, estão muito mais expostos pelo espaço que a gastronomia conquistou. Li na Gula uma pequena entrevista com o maitre de um dos melhores restaurantes italianos de São Paulo, que me chamou a atenção. Em algumas palavras a respeito da arte do ofício, seu Almir soltou uma frase do tipo: “A gente sabe quando um cliente tem dinheiro ou não pelo seu comportamento...”
Prezado seu Almir: Conheço bem sua profissão e sei o quanto ela suou até chegar nas páginas de uma importante revista. Que pena que o senhor tenha desperdiçado tamanha oportunidade de ensinar algo relevante ou de maior contribuição para os seus clientes. De fato é muito fácil saber se o comensal nasceu em berço de ouro pelo seu comportamento, assim como é fácil adivinhar que o garçon nasceu no Ceará pelo sotaque, que é o seu caso. No final das contas dá na mesma. Um paga pelo serviço justamente, enquanto o outro cumpre a obrigação como deve ser.
Como eu ia falando... “seu Albino, que Deus o tenha!”

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Efeito Ratatouille

Se você assistiu ao filme do ratinho francês vai entender o que vou dizer. Vivi neste último Natal o que chamo de “efeito Ratatouille” depois de provar as rabanadas da mineira Zenólia. Eu explico: sabe aquela cena em que Anton Ego degusta a receita oferecida pelo querido chef Remy? Num segundo, o esnobe crítico de gastronomia se rende às lembranças afetivas da infância através do paladar e do tempero surpreendente do prato. Pois assim me senti na primeira mordida de uma rabanada ainda quente, ali mesmo ao lado do fogão, enquanto Zenólia passava os outros pedaços de pão no leite açucarado. Lembrei-me imediatamente de minha avó Maria, fritando uma a uma e nos chamando (nós, as crianças) para o lanche da tarde. Fantástico foi como os criadores do filme conseguiram demonstrar através dos olhos estatelados de Ego, uma viagem pelas sensações de um sabor especial que ficou armazenado em sua memória. Assim acontece conosco e todo o corpo reage inevitavelmente, diante de uma experiência dessas. Zenólia querida, você tem mãos abençoadas!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A romã


Quem é o infeliz que não comeu? Quem não guardou as sementinhas na passagem do ano com a intenção de atrair riquezas? Pois na minha opinião esta atitude não deveria ser apenas associada ao dinheiro, conforme a lenda milenar e sim relacionada ao sucesso no amor. A romã é considarada há séculos como símbolo de fecundidade e poderes afrodisíacos. Os gregos estavam certos. Um estudo realizado recentemente na Universidade da Califórnia revelou que “a fruta é rica em antioxidantes que estimulam o aumento da circulação sangüínea nos órgãos genitais do homem, facilitando a ereção...”
E precisa dizer mais? Guardar as sementes pode trazer dinheiro, afinal de contas quando a fé é lançada no universo as coisas sempre acontecem. Mas o ritual combina muito mais com o ardente desejo de se ter ou preservar um grande amor. Como disse um poeta ao comparar a exótica fruta com a misteriosa mulher amada:

“Não é carnuda. Não. E mesmo que fosse seria vulgar usar o termo. Tem pouca carne. Mas esse pouco se torna um todo, como aquelas ingênuas e deliciosas sementes que saem do meio de paredes mórbidas e, vermelhas e convidativas explodem levemente o doce-azedo dentro da boca. Uma a uma, várias, tempestuosas e mansas, até se esvaziarem de sua seiva e satisfazerem a minh’alma...”


Foto: Regina Bui